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Pais com Verdades Inconvenientes sobre Trans
Parents with Inconvenient Truths about Trans (PITT)
Eu era uma verdadeira crente.
Eu era uma organizadora e facilitadora de justiça social antes da justiça social tomar conta do mundo. Estava na linha da frente, introduzindo o conceito de interseccionalidade nas organizações progressistas e fazendo com que as pessoas partilhassem os seus pronomes. Os meus amigos e eu sentíamos que éramos os miúdos fixes, a vanguarda do trabalho revolucionário para mudar o mundo, para alcançar aquilo a que as pessoas no movimento de justiça social chamam “libertação colectiva”. Eu estava profundamente empenhada no trabalho de criar um outro mundo que fosse possível.
Neste contexto, assumi-me como lésbica e identifiquei-me como queer. E depois apaixonei-me, entrei numa relação de compromisso com a minha esposa e dei à luz o nosso primeiro filho. Dois anos mais tarde, a minha companheira deu à luz o nosso segundo filho. Ter filhos e experimentar o amor e a devoção a eles, que mudaram absolutamente a minha vida, foi um divisor de águas para mim. E foi quando, para citar o subtítulo de Helen Joyce[1], a ideologia começou a encontrar a realidade.

Comecei imediatamente a sentir as tensões dentro de mim entre o que sentia intuitiva e instintivamente como mãe e o que “devia” estar a fazer como mãe branca anti-racista e defensora da justiça social. Devido às minhas próprias experiências de vitimização com a rejeição da minha sexualidade pelos meus próprios pais, queria ter a certeza de que honraria o “eu autêntico” dos meus filhos. Estava preparada para procurar qualquer pista que pudesse sugerir que eles poderiam ser transgénero.
Criámos os nossos filhos da forma mais neutra possível em termos de género, com roupas, brinquedos e linguagem neutros. Embora usássemos os pronomes ele/dele e outras pessoas na vida deles lhes chamassem rapazes, não lhes chamávamos rapazes, nem sequer lhes dizíamos que eram rapazes. Tornámos toda a linguagem neutra em termos de género. Na leitura quotidiana de livros ou na descrição de pessoas da nossa vida, não dizíamos “homem” ou “mulher”, dizíamos “pessoas”. Pensávamos que estávamos a fazer a coisa certa e melhor, tanto para eles como para o mundo.
Desde muito cedo, notámos que o nosso primeiro filho era um pouco diferente. Era muito sensível e extremamente dotado. Por volta dos três anos de idade, começou a orientar-se mais para as mulheres da sua vida do que para os homens. Como não dominava a linguagem, dizia: “Gosto das mamãs”. Começámos a atribuir parte desta diferença à possibilidade de ser transgénero. Em vez de o orientarmos para a realidade do seu sexo biológico dizendo-lhe que era um rapaz, queríamos que ele nos dissesse se sentia que era um rapaz ou uma rapariga. Como verdadeiros crentes, pensávamos que ele podia ser transgénero e que devíamos “seguir a sua liderança” para determinar a sua verdadeira identidade.
Ao mesmo tempo que esta ideologia estava a moldar a minha visão do meu filho, eu estava também a aprofundar os meus conhecimentos sobre vinculação e desenvolvimento infantil. Isto abriu-me os olhos para compreender a natureza da vinculação como sendo hierárquica e o facto de os pais, e não as crianças, deverem estar na liderança. Comecei a debater-me com o conflito entre colocar o meu filho na liderança em termos de género e o meu conhecimento cada vez mais profundo da minha responsabilidade de liderar e orientar o meu filho. Infelizmente, o meu empenho na ideologia levou a melhor.
Por volta dos quatro anos de idade, o meu filho começou a perguntar-me se era rapaz ou rapariga. Em vez de lhe dizer que era um rapaz, disse-lhe que podia escolher. Não usei essas palavras – pensei que podia ser mais sofisticada do que isso. Disse-lhe: “Quando os bebés nascem com um pénis, chamam-se rapazes, e quando nascem com uma vagina, chamam-se raparigas. Mas alguns bebés que nascem com um pénis podem ser raparigas e alguns bebés que nascem com uma vagina podem ser rapazes. Tudo depende do que sentimos no nosso íntimo”. Ele continuou a perguntar-me o que era, e eu continuei a repetir estas frases. Resolvi o meu conflito interior “guiando” o meu filho com este enquadramento – pode nascer-se com um pénis, mas mesmo assim ser-se uma rapariga por dentro. Pensei que estava a fazer a coisa certa, por ele e pelo mundo.
A pergunta dele e a minha resposta voltaram a assombrar-me durante anos e continuam a assombrar-me agora. O que eu sei agora é que eu estava a “guiar” – estava a guiar o meu filho inocente e sensível por um caminho de mentiras que eram uma rampa directa para danos psicológicos e intervenções médicas irreversíveis ao longo da vida. Tudo em nome do amor, da aceitação e da libertação.
Cerca de seis meses depois de o meu filho ter começado a perguntar-me se era rapaz ou rapariga, ele disse à minha mulher que era rapariga e que queria que lhe chamassem irmã ou ela. Recebi uma mensagem de texto sobre este facto no trabalho. No caminho para casa, nessa noite, decidi que teria de pôr de lado todos os meus sentimentos e apoiar o meu filho transgénero. E foi isso que fiz.
Com esta declaração, depois de meses a recusar dizer ao nosso filho que ele era um rapaz, mudámos todo o seu mundo. Dissemos-lhe que podia ser uma menina. Ele saltou para cima e para baixo na cama, feliz, dizendo: “Sou uma menina, sou uma menina!” (Que alívio deve ter sido para ele ter de facto uma identidade a que se agarrar!) Fomos nós, e não ele, que começámos a mudar-lhe o nome. Fizemos a transição social dele e reforçámos essa transição com o irmão mais novo, que na altura tinha apenas dois anos e mal conseguia pronunciar o nome verdadeiro do irmão mais velho.
Quando olho para trás, é quase demasiado para escrever. A dor e o choque do que fizemos são tão profundos, tão amplos, tão agudos e penetrantes. Como é que uma mãe pode fazer isto ao seu filho? Aos seus filhos? Eu acreditava verdadeiramente que o que estava a fazer era puro, correcto e bom, só para mais tarde me aperceber, com horror, do que poderia ter trazido ao meu filho. Este horror ainda me abala profundamente.
Não será surpresa para os leitores deste site saber que, quando tomámos a decisão de fazer a transição social do nosso filho, recebemos elogios e afirmações retumbantes da maioria dos nossos colegas. Uma das minhas amigas que também tinha feito a transição social do seu filho assegurou-me que a transição social era uma forma saudável e neutra de permitir que as crianças “explorassem” a sua identidade de género antes da puberdade, altura em que teriam de ser tomadas decisões sobre bloqueadores de puberdade e hormonas. Procurámos grupos de apoio para pais de crianças transgénero, onde procurámos saber se tínhamos “feito a coisa certa”. Afinal de contas, o nosso filho não mostrava sinais de disforia de género – será que era mesmo transgénero? Nestes grupos de apoio diziam-nos que éramos boas mães. Como as crianças com espectro de autismo (que ele provavelmente é) simplesmente “sabem” que são transgénero mais cedo do que as outras crianças.
Num dos grupos de apoio a que fomos, também nos disseram que a identidade transgénero demora alguns anos a desenvolver-se nas crianças. Disseram-nos que, durante este período, é muito importante proteger a identidade transgénero da criança e, por isso, é necessário eliminar o contacto com qualquer família ou amigo que não apoie esta identidade ou que não a aceite. Sim, a terapeuta de género que dirige este grupo de apoio aos pais disse isto e, na altura, acreditei nela. Olhando para trás, vejo agora a situação sob uma luz chocantemente diferente: tratava-se de um processo intencional de concretização da identidade transgénero em crianças com apenas 3 anos de idade – a idade da criança mais nova deste grupo. Quando a identidade é concretizada numa idade tão precoce, as crianças crescem acreditando que são do sexo oposto. Como é que a medicalização não se segue?
O terapeuta também utilizou o mesmo guião que muitos adolescentes utilizam com os seus pais, ajudando os pais de crianças transgénero a escrever cartas aos avós, tias e tios para declarar a identidade transgénero da criança e tornar claras as condições de compromisso – tem de usar o nome e os pronomes e abraçar a nova identidade, ou não terá contacto com a criança.
Após cerca de um ano de transição social para o nosso filho mais velho, o nosso filho mais novo, que tinha apenas três anos, começou a dizer que era uma rapariga. Isto foi um choque total para nós. Nenhuma das coisas que tornavam o nosso filho mais velho “diferente” eram verdade para o nosso filho mais novo. Ele era mais um rapaz estereotipado e não mostrava a mesma afinidade por coisas femininas ou mulheres que o seu irmão mais velho tinha. Começámos a analisar mais profundamente a vinculação e apercebemo-nos de que o impulso para a “semelhança” é um impulso de vinculação primordial. Sentimos que esta afirmação de ser uma rapariga era muito provavelmente um desejo de ser como o seu irmão mais velho, para se sentir ligado a ele. Esta afirmação de ser uma rapariga tornou-se mais insistente quando ambos os irmãos foram para a escola a tempo parcial, onde o programa escolar em que estavam inseridos incluía a partilha dos seus pronomes. Porque é que o irmão mais velho podia ser “ela” quando o irmão mais novo não podia? O nosso filho mais novo tornou-se cada vez mais insistente e nós ficámos cada vez mais angustiadas. A ideologia estava a chocar com a realidade e a abalar o que parecia ser um terreno sólido. Se o nosso filho mais novo era movido pelo apego e queria ser uma rapariga, será que o nosso filho mais velho também podia ser movido por esse apego? Um impulso de apego para ser igual a mim?
Marcámos uma consulta com a terapeuta de género que tínhamos conhecido no grupo de apoio, para falarmos sobre o nosso filho mais novo. Acreditávamos sinceramente que ela seria capaz de nos ajudar a perceber se ele era ou não realmente transgénero, a perceber as nuances do que se poderia estar a passar com ele enquanto irmão mais novo de uma “irmã” transgénero mais velha, e o único “ele” numa família de “elas”.
Para nosso choque, a terapeuta começou imediatamente a referir-se a ele como “ela”, afirmando que os pronomes que uma criança de três anos quer usar são os pronomes que ela ia usar para se referir à criança. De forma paternalista, assegurou-nos que talvez demorássemos mais tempo a adaptarmo-nos, uma vez que os pais têm dificuldade em lidar com este tipo de coisas. Disse que era transfóbico pensar que havia algo de errado com o facto de o nosso filho mais novo querer ser como o seu irmão transgénero mais velho. Quando eu ripostei e afirmei que ainda não estava convencida de que o nosso filho mais novo era transgénero, ela disse-me que se eu não mudasse os seus pronomes e honrasse a sua identidade, ele poderia desenvolver uma perturbação de vinculação.
Não estávamos convencidas, mas, mais uma vez, queríamos fazer o que era correcto para o nosso filho e para o mundo. Decidimos dizer-lhe que ele podia ser uma rapariga e, nessa noite, ao jantar, dissemos-lhe que lhe chamaríamos ela/dela. Logo a seguir ao jantar, fui jogar um jogo imaginário com ele e quis ser afirmativa. Pus um grande e caloroso sorriso na cara e disse: “Olá, minha menina!” O meu filho mais novo parou, olhou para mim e disse: “Não, mamã. Não me chames isso”. A reacção dele foi tão clara que me fez parar. Perfurou-me até ao âmago. Depois disso, não voltei atrás.
Nos dois anos seguintes, a minha parceira e eu cavámos mais fundo, agonizámos e continuámos a cavar. Tudo o que pensávamos que sabíamos ou acreditávamos e que nos tinha levado a fazer a transição social do nosso filho mais velho começou a desfazer-se. Continuei a estudar a abordagem de desenvolvimento baseada na vinculação e aprendi mais sobre o autismo e a hipersensibilidade. Decidimos não fazer a transição social do nosso filho mais novo. Começámos a ver claramente que não só o nosso filho mais novo não era transgénero, mas que o nosso filho mais velho provavelmente também não o era. Sabíamos que tínhamos de fazer alguma coisa, mas lutámos para descobrir como. Tudo o que eu queria era voltar atrás no tempo, para desfazer o que tínhamos feito. Mas eu ainda estava presa à ideologia. Por um lado, era cada vez mais claro para mim que o meu filho mais velho não era transgénero e que nós éramos responsáveis por o termos levado por engano para esse caminho. Por outro lado, preocupava-me que, se ele fosse realmente transgénero, eu lhe causasse grandes danos ao inverter a transição social. Este período de tempo foi profundamente agonizante e marcado por um desespero incrível.
De alguma forma, a minha parceira e eu chegámos à conclusão de que a verdade mais profunda para o nosso filho era que ele não era uma rapariga transgénero, mas sim um rapaz altamente sensível, provavelmente autista, que nasceu neste mundo sem pele e para quem a estrutura de certeza que a identidade de rapariga lhe proporcionava era uma espécie de protecção ou defesa. Também lhe proporcionava uma forma de se ligar a mim através da semelhança, uma necessidade primordial para a sua segurança no mundo. Decidimos que, uma vez que fomos nós que o levámos por este caminho, éramos nós que precisávamos de o tirar dele.
Há um ano, pouco antes do oitavo aniversário do nosso filho, fizemos isso mesmo. E embora a mudança inicial tenha sido difícil, incrivelmente difícil, a emoção mais imediata e tangível que sentimos no nosso filho foi alívio. Um verdadeiro alívio. Nos dias que se seguiram à minha primeira conversa com ele sobre o regresso ao seu nome e pronomes de nascimento, à minha conversa sobre como os homens não podem ser mulheres e que estávamos erradas ao dizer-lhe que podia escolher ser rapariga, ele começou por ficar muito zangado comigo, depois ficou triste. Depois, no dia seguinte, senti o meu filho a repousar. Senti-o a libertar-se de um fardo, a largar esse fardo de adulto que ele, enquanto criança, nunca deveria ter carregado. Sentiu um alívio incrível. Ele relaxou.
Desde essa altura, temos vindo a recuperar. Ele tem-se vindo a curar. Não foi fácil, mas o meu filho é feliz e está a desenvolver. Vimo-lo chegar a uma paz mais profunda consigo próprio enquanto rapaz, e ele está a desabrochar e a crescer. Por agora, está seguro e, à medida que os dias passam, está a crescer mais. Quanto ao nosso filho mais novo, também está feliz, a prosperar e a recuperar. Assim que o seu irmão mais velho voltou a ser o seu irmão mais velho, ele, feliz, estabilizou quase imediatamente na sua identidade de rapaz – uma validação adicional da nossa percepção dos impulsos primordiais de vinculação que estiveram por detrás da sua busca de semelhança durante tanto tempo.
Receio pelo futuro, o futuro de um rapaz sensível, feminino e socialmente inábil que passou os primeiros anos da sua infância a pensar que era uma rapariga. Temo pelo que a nossa cultura, as nossas instituições, os seus pares e a Internet lhe vão dizer. Receio o poder do Estado, que parece empenhado em destruir a relação pais-filhos. Independentemente do que o futuro me reserva, nunca deixarei de lutar para proteger os meus filhos.
Já não sou uma verdadeira crente.
Para mim, esta experiência foi como sair de um culto, um culto que me obrigaria a sacrificar o meu filho aos deuses da ideologia do género, em nome da justiça social e da libertação colectiva. Deixei esta seita e nunca mais vou voltar atrás.
Assim que um tijolo foi arrancado da parede que sustentava este sistema de crenças, os restantes tijolos caíram. Agora, separo os escombros e procuro reconstruí-los lenta e cuidadosamente. Reconstruir os meus valores, a minha visão da realidade, o meu sistema de crenças, a minha relação comigo própria, com os meus filhos e a minha compreensão do mundo. Independentemente do que possa surgir, a protecção dos meus filhos será a bússola para cada passo no caminho a seguir.
Nota final: Gostaria de expressar a minha sincera gratidão ao blogue 4th Wave Now e ao podcast Gender a Wider Lens. Descobri ambos na noite seguinte à minha companheira e eu termos tomado a decisão de mudar de rumo com o nosso filho, e ajudaram-nos imenso. Obrigada pela vossa coragem.
Tradução: Maria Azevedo
[1] Nota de tradução: Helen Joyce, autora do livro “Trans, quando a ideologia encontra a realidade”