Colisão de princípios éticos
Ao tratar adolescentes identificados como transgénero, os clínicos confrontam-se invariavelmente com três princípios éticos – acima de tudo, não causar danos (não maleficência); agir no melhor interesse do paciente (beneficência); e respeitar a autonomia do paciente [47]. Estes princípios colidem desconfortavelmente nas mentes de muitos clínicos. Parece não haver uma resolução simples.
Para evitar danos, os médicos conceptualizam os perigos fisiológicos, médicos, sociais e psicológicos específicos que os pais e os doentes precisam de compreender, tentar evitar ou aceitar. Seguem-se exemplos de cada categoria de perigo associada à transição médica de género: disfunção sexual e infertilidade [49, 50]; redução do tempo de vida devido ao aumento da morbidade médica [7, 51]; dificuldades em parcerias românticas [52, 53]; abuso de substâncias e dependência [54]. Os defensores da transição médica dos jovens apontam para os danos de “não fazer nada” para parar a puberdade natural, o que sujeita os jovens a sofrimento e necessita de procedimentos mais invasivos mais tarde na vida para “desfazer” os efeitos irreversíveis da puberdade no corpo [55]. Ao contrário dos riscos de danos associados à transição que foram demonstrados, evitar danos futuros ao submeter-se a uma transição médica na adolescência permanece, na melhor das hipóteses, uma teoria não comprovada. O bloqueio da puberdade no estádio 2 de Tanner não só elimina a possibilidade de preservação da fertilidade [15], como também complica grandemente futuras cirurgias genitais devido à insuficiência de tecido [56]. A morte de um dos 70 jovens do famoso “estudo holandês” [5] devido a complicações da cirurgia genital foi provavelmente uma consequência direta do bloqueio da puberdade precoce [57•].
Para respeitar a autonomia do doente, os médicos precisam de determinar quando é que um adolescente tem a capacidade cognitiva maturacional e a experiência de vida para consentir intervenções médicas e cirúrgicas potencialmente irreversíveis. No entanto, devido às capacidades maturacionais das crianças e dos jovens adolescentes, são os pais que estão efetivamente a exercer a autonomia. Este facto pode ser observado nas famílias em que os pais apoiam a transição e naquelas que não o fazem. Assim que os pais consentem a primeira fase da transição de género, a futura trajetória de transição médica da criança está virtualmente assegurada [62•, 63•]. Embora as crianças “concordem” com as intervenções, a investigação recente sobre a capacidade dos adolescentes para tomarem decisões relacionadas com a futura função reprodutiva não é tranquilizadora [64].
Choque de sistemas de valores
Na ausência de certezas sobre o tratamento ideal para o elevado número de jovens que atualmente apresentam disforia de género [23••], as decisões são tomadas com base em valores fundamentais.
Aqueles que defendem a redução drástica da prática de intervenções médicas em menores com diversidade de género, por considerarem esta prática uma fonte importante de danos iatrogénicos, privilegiam o princípio da não maleficência.
As duas posições sobre a questão da transição de género de jovens também entram em conflito sobre o valor da beneficência. Cada uma das partes afirma que está a procurar a beneficência, mas discordam fortemente quanto à solução: uma parte insiste que o maior benefício é obtido ao submeter-se a uma transição o mais cedo possível na puberdade, para obter os melhores resultados cosméticos possíveis, enquanto a outra afirma que alcançar maturidade cognitiva, estabilidade emocional e obter experiências de vida (incluindo experiências sexuais) antes de tomar a decisão de se submeter a uma transição irreversível proporcionará o maior benefício a longo prazo para os indivíduos afectados.
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Tradução: Maria Azevedo (associada)
Fonte c/referências bibliográficas