Entrevista a Richie Herron, um homem de 35 anos detransicionado (fez a transição de homem para mulher e de novo para homem), conduzida por Andy Ngo.
Andy – Que idade tinhas quando fizeste a transição?
Richie – Tinha 26 anos quando fiz a transição médica.
Andy – O que te levou a tomar essa decisão?
Richie – Estava convencido de que era do sexo feminino, e uma grande parte disso deveu-se à minha educação, porque sou homossexual e tive muitas dificuldades com isso. Mas não é apenas uma coisa que leva alguém a fazer a transição, há muitas pequenas coisas ao longo do caminho, por exemplo, a estabilidade em casa, na escola, o ambiente em que estou inserido, e também eu era viciado na Internet. E a Internet foi uma forma de entrar nisto, e foi também, ironicamente, a forma de sair.
Mas diria que, na sua maior parte, era certamente uma obsessão, porque fui diagnosticado com perturbação obsessivo-compulsiva.
Andy – Uma obsessão com o quê?
Richie – Não ser um homem, ser uma mulher.
Andy – Sentiste-te torturado num corpo masculino?
Richie – Acreditei nessa narrativa. Não sei se foi uma tortura, mas senti um desconforto, mais pela forma como me viam no mundo e como me apresentava. Porque eu sou um pouco mais sensível do que a maioria das pessoas, sabes?, e achava muito difícil relacionar-me com outros homens porque eles correm, bebem, gritam, brigam. Sobretudo, eu vinha do nordeste de Inglaterra, que tem uma cultura muito própria, e eu não me enquadrava, não me sentia eu.
E depois vi estas coisas na Internet, especialmente sobre como tudo isto faz parte da disforia de género, esta coisa chamada disforia, que significa que, na verdade, o que estou a sentir é porque estou no corpo errado. É por isso que tenho todo este tipo de mal-estar. E a maneira de sair dessa situação é fazer a transição médica. Por isso acreditei, acreditei, acreditei com o meu coração.
Andy – Durante quantos anos foste trans?
Richie – Quase 9. Até este ano, basicamente, porque agora tenho 35 anos.
Andy – O que é que te fez decidir voltar a ser quem eras?
Richie – Meu Deus, estava tão cansado daquilo. Acordava todos os dias e sentia que me estava a tornar cada vez mais noutra pessoa. E eu não era eu, estava a pôr uma cara que não era a minha, uma voz e um andar, porque obviamente com os homens temos de fazer exercícios de voz. Posso falar como uma mulher, mas já não faço isso, obviamente. E senti-me extremamente cansado. E apercebi-me que, à medida que o tempo passava, as coisas que eu realmente queria fazer (adoro jogar jogos e gosto muito de carros desportivos rápidos) e isso era bastante… bem, isso não é o que as mulheres fazem, sabes? Era uma visão muito misógina do que eu achava que os homens e as mulheres deviam ser. E eu não era, obviamente, o estereótipo que pensava ser, e comecei a deixar o outro lado entrar, digamos assim. E arrependi-me da minha cirurgia quando a fiz em 2018. Quando digo cirurgia, quero dizer que já não tenho genitais masculinos, foram-se, e arrependi-me quase imediatamente disso. E isso foi uma coisa poderosa para me puxar de volta para o mundo real, percebes o que quero dizer?
Andy – Podes falar mais sobre a tua transição médico-cirúrgica?
Ritchie – Claro, comecei por tomar um antiandrogénico chamado Zoladex, que é um implante que se coloca no abdómen e que impede o corpo de produzir testosterona. Portanto, não se obtêm os efeitos masculinizantes que fazem dos homens homens, como o crescimento do pêlos, o crescimento muscular, a redistribuição da gordura. Eu queria que isso fosse bloqueado porque acreditava no meu coração que a testosterona me estava a envenenar, não que é uma parte natural do nosso corpo ou uma parte dos processos naturais. Eu acreditava literalmente que era veneno, e isso fazia parte da obsessão, e o bloqueador impede que isso aconteça.
Comecei a tomar o bloqueador em abril de 2014 e demorei muito tempo a receber uma dose de estrogénio. Por isso, comecei a terapia de substituição de estrogénio, que dá um efeito feminizante, como tecido mamário (não muito), suaviza a pele, abranda o crescimento do cabelo. O estrogénio, para mim, só começou a fazer efeito por volta de 2016. Foi um período de dois anos em que não tinha vestígios de estrogénio nem de testosterona, e estava completamente androgenizado, no sentido em que não havia nada a acontecer. E quando cheguei à cirurgia em 2018, porque comecei a jornada da clínica de género em 2014-15, eles estavam constantemente a perguntar-me “quer cirurgia? quer cirurgia?” e eu estava tipo “eu acho que não, posso fazer alguma terapia, esse tipo de coisa” e eles, com o passar do tempo, continuaram a perguntar-me. Eles estavam a usar experiências na minha vida real para provar que eu realmente não era apenas um cara gay, certo? Estavam a tentar provar que eu tinha transfobia internalizada. E depois, em relação à cirurgia, à qual eu estava sempre a dizer que não, eles diziam “bem, tens uma atrofia grave”, que é quando há um encolhimento da zona genital por causa das hormonas, “não tens função sexual”, …
Andy – Podes falar mais sobre isso? O que acontece quando se tomam hormonas? E podes ser tão pormenorizado e gráfico quanto quiseres.
Richie – Para começar, quando se toma estrogénio, para um homem, o que geralmente acontece é que amolece o tecido e, ao fazê-lo, limita a capacidade de ter erecções. Por isso, muitas mulheres trans têm uma disfunção erétil extensa. E, depois disso, temos a atrofia, que é o encolhimento do próprio pénis, ou seja, a pele não muda, mas a parte do pénis encolhe. E, com isso, temos todos esses efeitos secundários, com muitas disfunções sexuais e problemas urinários, porque tudo é mais pequeno. E tudo isto foi como que ponderado contra mim: “é por isto que deves fazer a transição, porque já passaste por tudo isto”
Andy – Referiam-se a fazer uma cirurgia aos genitais?
Foi-me vendido como: “Bem, tu já tens os genitais atrofiados e já estás a viver a tempo inteiro como mulher”. E foi do género: “Porque não? E depois convenceram-me, e convenceram-me ao ponto de eu dizer: “ok, acho que sou eu porque”, como disse um dos psiquiatras, “eu era o candidato ideal para a cirurgia de mudança de sexo”, o que quer que isso signifique. E, basicamente, o que quero dizer é: foi um vírus mental muito poderoso, “não sou apenas trans, sou o trans mais verificado de sempre. Sou verdadeiro, até todos os médicos acham que esta é a coisa certa, não há espaço para dúvidas”, apesar de ser eu a expressar a dúvida.
Richie
Andy – Estamos aqui na Conferência da Aliança LGB em Londres, onde acabaste de falar. Houve uma parte em que disseste que arrependimento não é uma palavra suficiente para descrever o que sentes em relação a este processo.
Richie – Exatamente.
Andy – Podes falar sobre como mudaste fisicamente até ao ponto em que não podes ser quem eras antes?
Richie – Portanto, a cirurgia a que fui submetido é irreversível.
Andy – A cirurgia a que foste submetido…
A cirurgia a que fui submetido foi uma inversão peniana com enxerto, que consiste em retirar os testículos, inverter o pénis e fazer um buraco na pélvis para imitar uma vagina. Mas, como se trata de uma imitação, não é uma vagina verdadeira é um pénis invertido, e isso tem muitos problemas.
Richie
Andy – Qual é a tua mensagem para os jovens trans ou adultos trans que possam estar a sentir o que tu sentiste há alguns anos atrás, quando decidiste fazer a transição? Qual é a tua mensagem para eles?
Richie – É um mundo de fantasia idealista aquele em que estás a viver, certo? E sabes que tudo soa muito bem, não é? À primeira vista, parece que é tudo pelo melhor, sabes? Só queremos que as pessoas sejam felizes, que tenham bem-estar, mas isto não o faz, isto não é essa resposta, isto torna as coisas piores para muitas pessoas. E é apenas uma questão de tempo até nos apercebermos de que foi catastrófico.
O que acontece é que todos nós contamos histórias a nós próprios, tal como “eu tinha de fazer isto, a disforia era tão má, senão teria feito XYZ, senão ter-me-ia matado”. Essa é uma mentira que te foi contada para recitar aos outros. Nunca o irias fazer: as pessoas que se suicidam, suicidam-se, não falam sobre isso. Toda esta ameaça de “se não fizeres isto, então vais tirar a tua própria vida”, para mim, significa uma série de problemas porque não estamos a ajudar as pessoas, estamos a satisfazer as suas exigências.
E penso que o melhor caminho a seguir, especialmente para os jovens trans, é não se aproximarem dos bisturis, não o façam, não o façam de todo. Levem o vosso tempo. Uma vez que se foi, foi-se, certo? E a tua vida não é assim tão má que precises de o tirar já, garanto-te, garanto-te. E também te posso dizer que os problemas que estás a enfrentar estarão provavelmente ligados a muitas outras coisas. Vai fundo, olha para a tua própria família, para os seus pais, qual é a tua relação com eles? Podes ter uma boa relação e haver outros factores. Mas muitas das pessoas com quem falei ou não têm uma boa relação com os pais ou com um dos pais. E muitas destas questões gostamos de fingir que são tão complexas e tão grandes, e é por isso que esta é a resposta. Mas não é. A resposta é muito simples: és feliz? Achas que isto te vai fazer feliz? Provavelmente não, se não eras feliz antes.
Andy – Muito obrigado pelo teu tempo.
Richie – Obrigado.
Tradução: Maria Azevedo (associada)