
Chloe – Acho que antes de entrar nisso, há algumas coisas que devo referir. Mencionei que tive um diagnóstico tardio de autismo e isto ocorreu porque nos meus anos de escola primária, os meus professores diziam muitas vezes aos meus pais que eu tinha alguns sintomas indicativos de autismo, e sugeriram que me diagnosticassem. Mas quando me levaram ao meu médico, em criança, foi-lhes dito: “oh, ela é demasiado inteligente para ser autista, é demasiado desenvolvida socialmente para ser autista”, e por isso perdi a melhor oportunidade, as melhores idades, diria eu, para obter o diagnóstico.
Só depois de ter deixado de fazer a transição é que recebi o diagnóstico, na verdade. Acho que isso desempenhou um papel mais importante no desenvolvimento da minha disforia de género do que a minha orientação sexual, porque sou sobretudo heterossexual, sinto-me atraída por homens. E, quer dizer, tenho uma atração muito marginal por outras mulheres, mas é sobretudo de natureza sexual, não tenho qualquer atração emocional por elas. Não é algo que me importe, porque um dia quero ter uma família, quero ter filhos e não consigo fazer isso naturalmente com uma mulher, por isso não vejo qualquer interesse nisso.
Jordan – Sim, bem, também há algumas provas, já agora, e eu diria que estas provas são menos convincentes, mas acho que vale a pena contemplar. A distribuição da atração sexual em homens parece que é mais bimodal do que é em mulheres. Por isso, parece haver homens homossexuais e homens heterossexuais, e não muito entre os dois. Mas em relação às mulheres, parece haver evidências de que as mulheres são mais atraídas, de uma forma generalizada…claro que a maioria das mulheres é heterossexual na sua orientação. Mas existe uma proporção mais elevada de mulheres que afirmam ter uma co-atração por outras mulheres, em relação a homens que afirmam ter uma co-atração por outros homens.
Porque é que isso acontece, de novo, não é inteiramente óbvio. E eu não diria que essa pesquisa é incontestável, mas também vale a pena conhecê-la, porque uma das coisas que as jovens mulheres que estão confusas acerca da sua identidade sexual e do seu corpo podem estar a perguntar-se é “bem, de vez em quando sinto uma atração por outra rapariga; o que significa isso, significa que não sou, sabes, feminina na minha essência? Não sou feminina fisiologicamente? Não sou feminina psicologicamente?”
E eu diria “não, não significa nada disso, é bastante comum, pode até ser a norma”, e penso que a maioria das mulheres, quando pressionadas, faria a mesma afirmação que acabaste de fazer sobre a sua relativa atração sexual. Portanto, também é bom saber isso.
Muito bem, quando tinhas 12 anos, foi-te diagnosticado um pouco de autismo, mas os profissionais de saúde disseram-te que eras demasiado inteligente para que esse diagnóstico fosse relevante. Por isso, parte desta distinção é complicada. Que sintomas tinhas de autismo quando eras criança?
Chloe – Eram principalmente sociais e emocionais, eu era muito propensa a explosões emocionais e principalmente a dar-me bem e a manter amizades. E também tinha algumas dificuldades sensoriais, como certas texturas de tecidos, ou certos cheiros, certos alimentos que não comia.
Jordan – Portanto, era sobretudo no domínio social. E quanto ao teu desenvolvimento linguístico, era normal, sabes?
Chloe – Eu era avançada, de facto. Tinha aprendido a ler e a escrever sozinha e estava mais avançada do que os meus colegas nessa área.
Jordan – Ok, ok, tu serias um caso complicado de avaliar em criança, dado o teu relatório retrospetivo, porque outra das características estelares, o que se diz, características cardinais, do autismo é o atraso no desenvolvimento da linguagem.
E portanto, pode ter sido em parte a isso que os médicos se estavam a referir quando disseram que eras demasiado inteligente para ser autista. Mas também é difícil separar o facto de se tratar de uma distribuição e o mero facto de teres dificuldades na comunicação social… Interessavas-te por coisas?
Chloe — Sim.
Dr. Jordan —Interessavas-te por coisas? E por matemática?
Chloe — O que queremos dizer com isso?
Dr. Jordan — Interessas-te mais por matemática ou a tua orientação é mais literária?
Chloe – Sem dúvida, mais literária e também sou um pouco artista, sempre gostei de desenhar desde muito nova, desde que me lembro.
Dr. Jordan – O que fazes em termos de passatempos, se estiveres sozinha? Em que tipo de actividades te envolverias?
Chloe – Normalmente, ilustração ou videojogos.
Dr. Jordan – E, portanto, consideras-te uma pessoa criativa?
Chloe – Sim.
Dr. Jordan — Porque isso também é relevante, porque a criatividade está associada a este traço de personalidade, a abertura, e as pessoas abertas têm identidades bastante mutáveis. É uma espécie de característica distintiva de se ser criativo, certo? Uma pessoa criativa não é assim tão estável na sua identidade, e não me refiro a emoções negativas, mas sim ao facto de poder ser uma pessoa ou outra, de estar sempre a mudar. Essa mutabilidade faz parte do ser criativo. E, portanto, na tua situação, se tinhas dificuldades sociais, se tinhas níveis elevados de emoções negativas, se te caracterizavas por uma auto-consciência corporal e eras criativa, então és uma boa candidata à ideia de que o teu género pode não estar devidamente alinhado com a tua fisiologia. Tens todos os factores de risco, por assim dizer, que colocariam alguém nessa categoria.
Então, quando tinhas 12 anos começaste a fazer terapia, porquê e o que é que aconteceu?
Continua
Traduzido por Maria Azevedo (associada)
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