Filhos destes dias…


Lembra-se do filme “Olha quem fala”?

Inglês S/A: Olha quem está falando


E se os bebés, as crianças, adolescentes e jovens, exprimissem verbalmente o que lhes vai na alma?


O bebé contaria:
Não entendo… Ainda ontem estava com os meus papás em casa, eles davam-me miminhos, a mamã dava-me leitinho, ria-se para mim com aquele sorriso maravilhoso, adormecia-me nos seus braços… O papá chegava a casa e vinha logo ter comigo, pegava-me ao colo, brincava comigo… Hoje, cedinho, a mamã  pegou em mim, vestiu-me, colocou-me na cadeirinha, levou-me para o carro e deixou-me ficar aqui, na creche, com pessoas estranhas. Esperei por ela todo o dia, chorei de saudades, não gostei do biberão… Passaram 8 ou 9 horas até ela me vir buscar. Quando a vi fiquei tão feliz! Ups… Acho que adormeci na viagem. Os meus papás parecem muito cansados, mas brincam comigo, dão-me banhinho, papinha e… Esperem, esperem… Podemos brincar mais um bocadinho? Não… Estamos muito cansados e precisamos descansar… Vivi assim 6 anos.

A criança era capaz de dizer:
Acabou o infantário. Entrei para a Escola e para o ATL. Entro de manhãzinha, às vezes ainda é de noite, e saio ao anoitecer… Faça chuva ou faça sol, fico 8 horas por dia na Escola e no ATL, até a mamã ou o papá me virem buscar. Em casa, depois de um dia inteiro a fazer coisas e a ouvir coisas, ainda tenho que fazer os trabalhos de casa. Os meus pais reclamam por não terem tempo para me ajudar. Quando termino os TPC’s mandam-me tomar banho (sim, já sei tomar banho sozinho e os meus pais só me secam) e ver televisão, pois trabalharam todo o dia, estão muito cansados e ainda têm muito que fazer. Confesso que não consigo entender… Trabalham todo o dia, todos os dias, e estão sempre a reclamar da falta de dinheiro para comprar mais coisas, para ir de férias para não-sei-onde, para o modelo novo do carro da mãe… Enquanto jantamos (a mamã e o papá cozinham muito bem) olham para mim, fazem-me algumas perguntas sobre o meu dia, brincam um pouquinho comigo e… são horas de lavar os dentes, fazer xixi e ir prá cama… Quase não os vejo… Só mesmo aos fins-de-semana e um de cada vez, pois ambos trabalham e tentam conciliar os horários para estar sempre um em casa ao sábado e ao domingo.

E o adolescente e o jovem gritariam:

Passaram-se mais 4 anos. Ganhei um telemóvel topo de gama. No caminho do ensino secundário tenho cada vez mais professores e muitas, muitas disciplinas… Acho que não vou dar conta do recado. Nos primeiros meses os meus pais vêm trazer-me e buscar-me (eles revezam-se de acordo com o horário de trabalho de cada um). Mas isso é só até eu saber bem o caminho e não ter medo de ir e vir sozinho. Medo? Eu não tenho medo. Já sou um homem e sei andar na rua e até nos transportes públicos. Mas, como moro perto da escola, não preciso. Só ainda não sei como lidar com aqueles parvalhões que me perseguem, insultam, batem e roubam o lanche… Não vou dizer nada aos meus pais para não os preocupar… Ultimamente, discutem por tudo e por nada… Passam o tempo a receber chamadas e a conversar ao telemóvel. A mesa da sala de jantar virou uma espécie de escritório (dizem que é para estarem ao pé de mim) e têm sempre trabalho de casa.

Chego a casa muito cansado, dou um beijinho a cada um – parecem-me exaustos – e tento fazer os TPC’s. Às vezes adormeço e acordo com os gritos da minha mãe «vai tomar banho para depois jantarmos!». Acabo por não conseguir fazer os trabalhos de casa e lá vem um recado na caderneta para o meu pai… Fico de castigo (tiram-me o telemóvel, mas só em casa). Ninguém quer saber se estou cansado, ou não. Os professores gritam comigo e perguntam-me se os meus pais não têm tempo para me ajudar a fazer os trabalhos de casa… Quando respondo, perguntam-me se os meus pais também não me dão educação… Anda tudo cansado e eu é que levo com eles todos… 

Os meus pais dizem que são os professores que têm que ensinar a matéria bem ensinada; os professores dizem que não são educadores, que esse é o papel dos pais, mas também insistem em ensinar coisas contrárias ao que os meus pais me ensinam (no pouco tempo que têm para estarmos juntos) e ainda dizem que o que os meus pais me ensinam é retrógrada. Começo a ficar confuso… Já não sei quem fala verdade… Talvez sejam mesmo os professores… Afinal, são eles que dão aulas e que passam a maior parte do tempo comigo… Acho que os meus pais não têm tempo para se informarem e evoluírem… Trabalham tanto… 
QUEM É QUE ME EDUCA?
Em casa, cada vez passamos menos tempo juntos. Venho carregado de TPC’s pra fazer e eles cada vez parecem mais irritados, com menos paciência, discutem e acusam-se um ao outro por as minhas notas terem baixado… Passamos 2 ou 3 horas juntos… quase sempre a discutir ou cada um no seu iPad. Eles não me entendem, não percebem que o mundo mudou e que ainda vivem no século passado… Os meus colegas têm razão. Os meus pais são antiquados. A maior parte dos meus amigos já tem namorada ou namorado (os profs dizem que não há diferença em namorar com rapazes ou com raparigas), duas casas (os pais separaram-se e ficaram mais fixes, levam-nos para jantar fora, não os controlam tanto e concordam com eles em quase tudo) e toda a liberdade que eles querem. Alguns já saem à noite, bebem até cair… E os meus velhotes dizem que eu só saio depois dos 18 e com horas para entrar? 

CHEGA! Vou fazer como os meus colegas, vou ser livre e quero ver quem me vai impedir. Comecei a fumar às escondidas (os meus pais não notaram nada) e tenho passado algum tempo com aqueles tipos bué de fixes que têm tempo para conversar comigo. Conversamos sobre tudo, sem stresses, e já me convidaram para fumar um “charro” e ir a umas festas. Eles dizem que os pais não podem dar palmadas nos filhos e que não mandam neles. Devem ter razão… Ai dos cotas que voltem a tocar-me… Ligo prá bófia e faço queixa deles. Afinal, os meus pais não têm tempo e os profs dizem que podemos fazer o que quisermos desde que sejamos responsáveis (e eu sou responsável).

Para reflectirmos:

Infelizmente, salvo raras excepções, este costuma ser o resultado da demissão de muitos pais da criação dos filhos… É hora de respondermos honestamente a algumas questões:

Afinal, para que é que quisemos ter filhos?

Quão importantes são eles para nós?

Abriríamos mão de uma suposta “realização profissional” e de algum conforto por eles? Para os amar, criar, educar e ESTAR PRESENTES?

Quem está a criar, educar e formar os homens e as mulheres de amanhã? O que é que lhes estão a ensinar?

O que é ser mãe? Pai?

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