O estudo dos Direitos Fundamentais compreende a percepção de que estes devem ser protegidos por todo o ordenamento jurídico, sejam as regras, sejam os princípios. Qualquer diploma legislativo que venha a ferir Direitos fundamentais deve ser compreendido como inconstitucional, uma vez que não tem cabimento em um Estado Democrático de Direito.
O mundo ocidental já enfrentou uma questão muito debatida e conhecida, em que a letra da lei sozinha foi capaz de propagar atrocidades em seu nome, de onde se compreendeu que muito além de determinada conduta ter previsão legal, deveria também estar de acordo com princípios, com o direito à dignidade da pessoa humana, com o direito à vida. E, toda essa compreensão formou a base do neopositivismo, portanto, o direito a ser respeitado não está somente no que figura na letra da lei e de um único poder, mas, no entendimento de todo o ordenamento jurídico (lei, princípios, direitos fundamentais, constituição).
A Constituição ganhou status de direito a ser cumprido e seguido, a constitucionalização do Direito nasce dessa ideia, em que todos os ramos devem estar de acordo com o Direito Constitucional, para que toda a estrutura de proteção a direitos seja respeitada em todos os âmbitos sociais, em toda compreensão e jurisdição.
E, para aprofundar esta compreensão, o estudo do Direito ajuda a perceber quantas questões podem estar envolvidas na elaboração de uma lei, a compreensão social e posicionamentos políticos que podem afetar o cidadão comum em suas atividades do dia. Compreender o que se decide no país, pode servir de exemplo a ser seguido ou até mesmo um alerta para dinâmicas internas de atuação dos poderes da República.
Quanto à temática de Direito à vida, vale trazer à reflexão acontecimentos jurídicos recentes em Portugal. Em janeiro de 2021, enquanto Portugal atingia o pico de contágios diários em plena pandemia, durante a qual sempre sinalizou o inevitável colapso de seu sistema de saúde, foi aprovado no Parlamento o Projeto de Lei 832/XIII/3, com a previsão de descriminalização da eutanásia, a morte assistida. Para além de questões ideológicas, as questões imateriais que motivam a uns e a outros para caminhos opostos nesta temática, vale ainda uma reflexão jurídica sobre o tema.
A adequação constitucional encontra uma grande barreira quando da análise do ordenamento jurídico e, principalmente, do próprio texto constitucional que aduz em seu artigo 24 ser a vida inviolável. A constituição portuguesa se compromete a garantir o direito à vida, a ponto de atribuir-lhe total inviolabilidade. E, em momento extremamente inadequado e sem consultar a população sobre um tema tão delicado, aprova o projeto de lei que permite ao Estado definir o que é uma doença incurável, quando o sofrimento não será suportável, para assim oferecer ao cidadão, não a possibilidade de buscar tratamentos alternativos, mas simplesmente, a oportunidade de findar a sua vida, assim como, conduzir profissionais que sob juramento e compromisso ético se comprometeram a defender todas as vidas, sem distinções, tornarem-se obrigados a disponibilizar e executar o fim da vida deste paciente.
Existem diversas nuances envolvidas, a primeira delas é o fato de que o Estado deixa de ser garantidor de um Direito à vida inviolável, para se tornar o declarante da impossibilidade de cura (sem utilizar-se de tentativas alternativas, tratamentos experimentais ou até mesmo a cura que pode ser apresentada no dia a seguir, em algum estudo reconhecido); subtrai-se de si mesmo o dever de zelar, promover e proteger a vida, para um dever de proporcionar a morte. Segue-se a isto, a questão ética de médicos que discordam do método, que não pretendem se dispor a praticar atos para determinar o fim de uma vida, quando deveriam trabalhar e buscar em todas as formas possíveis a cura e o reestabelecimento do indivíduo. Apenas estas duas circunstâncias já seriam suficientes para totalmente refutar o projeto de lei.
O presidente da República portuguesa recebeu o projeto de lei e diretamente o encaminhou para o Tribunal Constitucional (equivalente ao STF brasileiro). Este por sua vez declarou a inconstitucionalidade do projeto, atribuindo insegurança jurídica para determinados termos utilizados, evidenciando que existia a possibilidade de um novo projeto ser encaminhado com as devidas correções. O ponto que causa preocupação está no fato de não haver qualquer dúvida quanto à violação do Direito à vida, e mais ainda, sem questionar o entendimento da população sobre o tema.
A desproteção proporcionada e o que poderá advir de posicionamentos como este causam perplexidade em uma simples análise jurídica acerca do tema, quanto mais deve-se estar atento aos passos que podem vir a seguir. Cidadãos atentos ao que o poder público encaminha, cidadãos que se posicionam e questionam, são cidadãos que estão preparados para fazer cumprir o ordenamento jurídico e para a manutenção da democracia.