Direito à vida

A história do menino Archie comove o Reino Unido e toda a Europa. Para aqueles que compreendem o valor de uma vida, a perda será sempre lamentável. O esforço na lutar pela manutenção da vida de Archie sofreu uma grande derrota. E a história de Archie traz dois grandes alertas que a maioria das pessoas parece ignorar, o foco midiático se faz em torno de “uma família que queria obrigar o hospital a manter as máquinas que garantiam a vida de seu filho, com a esperança (referida como irreal) de que ele tornasse a viver de forma autônoma.” Porém, o início da história é motivo para que os pais parem e reflitam sobre os conteúdos a que seus filhos têm acesso. Archie foi levado ao hospital para os cuidados intensivos por ter participado de um desafio na internet, foi encontrado pelos pais, desacordado em seu quarto, e desde abril era mantido por máquinas no hospital. Por outro lado, essa história traz à tona a constante desvalorização da vida humana, que quando ponderada com cultura, patrimônio e outras questões mais superficiais, sempre sofre a violação.
Os pais de Archei recorreram ao Tribunal Britânico, e a mãe alegava que havia sentido o filho apertar sua mão e até mesmo a respirar sem necessitar do ventilador, os médicos alegavam que nunca verificaram sinais de vida na criança. Diante da resposta negativa dos tribunais nacionais, os pais recorreram à ONU, que escreveu uma carta para os médicos daquele hospital apelando que as máquinas continuassem ligadas. A justiça britânica rejeitou o apelo da ONU, ressaltando que o organismo não possui força vinculativa sobre a lei nacional, os juízes mantiveram posição favorável aos médicos, considerando que a manutenção dos tratamentos de suporte de vida não seria do “melhor interesse” para a criança.
A última tentativa foi levar o caso ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a esperança da família era que esse Tribunal se pronunciasse em favor do direito mais humano que há, o direito à vida, porém, também não foi o que aconteceu, o TEDH recusou-se a “interferir em decisões de tribunais nacionais”, o “lavar as mãos” contemporâneo.
Porém, muito além de um menino e sua família, mais uma vez, a Europa estabelece precedente, que por já serem muitos se consolidam em jurisprudência, para a violação ao Direito à vida, sendo esse ponderado com outros e não prevalecendo, as consequências sociais evidenciam uma sociedade cada vez mais egoísta, sem valores, sem compreensão do que realmente importa.
Concluo esse triste relato, com trechos da entrevista de um médico português, candidato ao cargo equivalente ao de Presidente da Ordem dos Médicos de Portugal. O médico Bruno Maia refere que “ A Ordem dos Médicos tem sido, ao longo das últimas décadas, um reduto de conservadorismo. Tem, aliás, estado alheada às mudanças sociais e evolução da sociedade portuguesa. Foi contra a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, continua a assumir-se hoje contra a despenalização da morte medicamente assistida, e continua a fechar os olhos à discriminação dos cuidados de saúde. Quero que isso mude e que as pessoas deixem de olhar para a Ordem e para os médicos com este bastião de conservadorismo e de elitismo e que vejam na Ordem um aliado da sociedade. Por exemplo, quando falamos da situação da despenalização da eutanásia, na verdade, a Ordem dos Médicos tem assumido uma posição que vai contra aquilo que é o princípio de autonomia dos doentes. Aquilo que eu defendo e que gostava de ver defendido na Ordem dos Médicos era a própria ordem pugnar pelo princípio da autonomia dos doentes, quando escolhem, na fase final da vida, antecipar a sua morte”.
Esse é o verdadeiro quadro social da Europa. As ruas bonitas e floridas e as estradas bem asfaltadas, a falsa sensação de segurança e a prosperidade financeira camuflam uma realidade sombria, enganam os olhos para a realidade que se constata em pensamentos, jurisprudências e condutas. Europa continua a fugir, a cada passo deixando de ser quem era, a cada escolha, destruindo direitos tão caros à humanidade.