Carta de “Notificação de Transição” e Reflexão
Antecedentes
Esta é uma cópia da carta que enviei por correio ao cirurgião que efectuou a minha mastectomia dupla ou “top surgery” (NT: termo eufemístico que significa “cirurgia de topo”, por oposição à “cirurgia de baixo”, que é feita nos genitais) quando eu tinha 20 anos de idade.
Esta carta, intitulada “Notification of Detransition” (NT: Notificação de detransição. O argumento de que o número de detransicionados é baixo tem por vezes como base o facto das clínicas de género e os profissionais de saúde não receberem a informação de arrependimento por parte de menores e adultos, em quem fizeram intervenções. Tem vindo a ser afirmado que a maioria dos detransicionados não informa a clínica e sentem relutância em fazê-lo porque se sentem enganados e/ou ultrajados), foi enviada por correio para o cirurgião cosmético, Dr. Clifford King, a partir dos escritórios da Top Surgery Midwest em Madison, Wisconsin. Escrevi esta carta para informar o Dr. King e a sua equipa de que uma antiga paciente sua lamenta a 100% a operação que lhe foi feita, tendo detransicionado e vivendo agora como uma mulher biológica sem seios funcionais.
Mantive a carta curta e emocionalmente distanciada e, apesar dos meus sentimentos traumáticos em relação a esta perda de mim própria e de partes do corpo na minha vida privada, sabia que era crucial manter uma compostura racional ao expor os factos da minha situação.
Era importante incluir este ponto porque, embora eu duvide que um cirurgião cosmético que fez a sua carreira inteiramente dedicada à realização de mastectomias duplas em jovens mulheres e raparigas de apenas 16 anos se preocupe com o bem-estar mental da sua clientela, ele publicita a sua prática como sendo um serviço médico legítimo ao insistir que segue os “Padrões de Cuidados WPATH” (WPATH, Organização Mundial de Saúde Trans, é a autoridade médica máxima que produz os standards de cuidados médicos trans, pelos quais a comunidade médica a nível mundial se rege), a principal organização de medicina trans que exige pelo menos duas cartas de referência de prestadores de cuidados de saúde mental para que um doente possa receber a transição médica. Os Padrões de Cuidados defendem um rastreio minucioso do bem-estar mental e seleccionam apenas os pacientes apropriados que beneficiariam verdadeiramente da transição.
Foi crucial informar o Dr. King que, no meu caso, as Normas não foram cumpridas, uma vez que os cuidados de saúde mental que eu estava a receber, e as cartas de referência subsequentes, foram negligentes na avaliação da minha situação de saúde mental e, portanto, a sua prática não estava realmente a seguir as Normas de Cuidados do WPATH. Além disso, o que não incluí na carta, devido ao desejo de preservar o meu anonimato, foi o facto de ter falado abertamente com o Dr. King sobre a minha ideação suicida durante a nossa consulta e de me ter sentido suicida no dia da cirurgia.
Depois de transmitir as minhas convicções pessoais de que este tratamento não era ético no meu caso, dei a conhecer ao Dr. King que estou longe de ser a única antiga doente FTM (NT: Female to Male, transição de mulher para homem) que lamenta a transição médica, e citei o estudo da Dra. Lisa Littman sobre detransicionados, que mostra como são elevadas as taxas de comorbidade de várias perturbações mentais na população FTM, e como esta questão não é apenas um erro pessoal, mas um fenómeno cada vez mais generalizado. Encerrei a carta com um apelo à ação para que o Dr. King reconsiderasse o que a sua prática considera como “tratamento médico” para tratar perturbações mentais. Pedi-lhe claramente que se confrontasse com a realidade de que retira os seios a mulheres jovens e até a crianças menores para tratar problemas nas suas mentes, e se acredita realmente que está a seguir o juramento médico de “Não causar danos”.
A minha história é semelhante à de muitos detransicionados que partilham a razão pela qual sentiram que precisavam de fazer a transição. Cresci no espetro do autismo, sofri abusos verbais, emocionais e psicossociais por parte da minha família, o que resultou em stress pós-traumático, depressão e ansiedade, tive uma depressão grave devido a problemas de apego e desregulação hormonal devido ao SOP (NT: desequilíbrio hormonal, dominado por androgénios, conhecido por síndrome dos ovários poliquísticos), senti-me cronicamente diferente e diferente como rapariga, jovem mulher e pessoa, sofri com dificuldades de relacionamento amoroso, sexual e de amizade devido a traumas não diagnosticados, e agarrei-me à “disforia de género” como a causa da maioria das minhas dificuldades.
Não há necessidade de mais explicações. Eu tinha 20 anos, era imatura em termos de desenvolvimento, doente mental, suicida, tinha PTSD e não estava num estado racional de consciência. No entanto, o sistema de saúde mental não prestou o devido serviço e o Dr. King e outros cirurgiões cosméticos aproveitaram avidamente a oportunidade de ter carne fresca para lucrar com as operações, neste mercado selvagem e descontrolado da “medicina do género”.
Partilho esta carta convosco para mostrar as consequências da propaganda médica trans na vida real e as repercussões que os nossos jovens e crianças estão a enfrentar. A última vez que verifiquei o Dr. King operava raparigas a partir dos 16 anos. Eu fiz o meu exame de consciência, luto, terapia extensiva e auto-punição pelos erros da minha infância, mas estou suficientemente curada para ter progredido no auto-perdão, aceitação e manutenção de limites implacáveis em torno da minha paz, sanidade e processo de cura. Não dei um endereço de retorno na carta enviada ao Dr. King, porque não queria ter de suportar desculpas ou correspondências vergonhosas.
A carta continua a ser um grito de guerra das jovens mulheres do movimento detrans para defenderem um melhor tratamento médico, sem qualquer apaziguamento ou desculpas da treta. Não tenho a pretensão de falar em nome de ninguém, mas infelizmente sei que a minha história é idêntica à de inúmeras outras raparigas e espero que a sua partilha as ajude de alguma forma a curar-se ou, melhor ainda, a evitar a necessidade de se curarem.
Partilhar a carta
29 de março, 2022
Caro Dr. King e médicos de cirurgia de topo do Midwest,
Eu sou uma ex-paciente, a quem você realizou uma mastectomia de dupla incisão em 2017, quando eu tinha 20 anos de idade. Estou a escrever para o informar, a si e ao seu consultório, que detransicionei e já não me identifico como homem/transgénero e voltei a viver plenamente como o meu sexo biológico feminino. Quero informá-lo de que me arrependo totalmente de ter feito a cirurgia de remoção dos seios. Os meus sintomas de disforia de género foram o resultado de CPTSD (NT: Síndrome de Stress Pós Traumático Complexo) resultante de abusos na infância e a minha identidade transgénero foi um mecanismo de sobrevivência desajustado para lidar com a realidade do trauma.
Encontrei cura e comunidade na população on-line de outras mulheres detransicionadas com experiências traumáticas semelhantes e quero informá-lo de que não acredito que a remoção dos seios de mulheres jovens, especialmente menores, seja medicamente ética, dadas as taxas graves de problemas de saúde mental de comorbidade na população FTM. Não creio que eu estivesse estável ou que tivesse maturidade aos 20 anos para fazer a transição e não creio que uma criança menor de 18 anos, em qualquer circunstância, esteja estável ou tenha maturidade para consentir que lhe retirem os seios.
Há um número crescente de casos de detransição como o meu, como evidenciado pelo rápido aumento de histórias de detrans no Youtube e no Subreddit r/detrans (NT: comunidade online dentro da plataforma Reddit). Houve também um estudo recente de Lisa Littman em littmanresearch.com sobre detransição que mostra que 60% dos participantes do estudo detrans fizeram a transição devido a razões subjacentes de saúde mental e trauma, e 25% devido ao facto de serem lésbicas ou gays.
Peço-lhe que considere a minha história e as histórias de outras pessoas como o seu dever ético enquanto médico de, em primeiro lugar, não causar danos, e que repense se a remoção de seios saudáveis de mulheres e crianças para que possam fingir ser homens é física ou mentalmente não causar danos.
A sua doente, Laura
Tradução: Maria Azevedo (associada)