
Publicado no Observador
Dr. Pedro Afonso
Médico Psiquiatra
Muitos jovens, devido aos erros expostos na série, seguem um percurso de sofrimento, inadaptação e autodestruição. E será que vamos continuar a não fazer nada para alterar a atual posição do pêndulo?
Assisti recentemente à famosa série da Netflix “Adolescência” e gostaria de fazer uma breve reflexão sobre alguns dos temas abordados. A primeira das questões que esta série levanta é sobre a atual desvalorização e desacreditação das figuras de autoridade, representadas pelos professores e pelos polícias. Basta olhar para o que se passa atualmente nas escolas, com os professores a enfrentar vários problemas de disciplina nas aulas, e com os polícias que não são bem-vindos em algumas zonas urbanas, para se perceber que o tema é atual. Infelizmente, para uma parte dos partidos políticos de esquerda, as figuras de autoridade são vistas como figuras opressoras, pelo que é natural que os adolescentes não as respeitem.
A escola, outrora um lugar de aprendizagem, onde se transmitiam conhecimentos e valores, foi transformada num espaço de entretenimento audiovisual, e num autêntico viveiro de bullies com comportamentos antissociais; fenómeno ampliado e facilitado pelos telemóveis e redes sociais. Evidentemente que não se pode cair no risco da generalização excessiva, mas o facilitismo na avaliação e os insuficientes mecanismos disciplinares de que atualmente as escolas dispõem propiciam que se descaracterizem os elementos fundacionais do ensino.
Um outro aspeto muito importante abordado na série refere-se às dificuldades que muitos adolescentes têm em expressar emoções, observando-se uma autêntica regressão emocional civilizacional. Verifica-se uma perda evidente da capacidade verbal para expressar sentimentos. O vocabulário, que era enriquecido através da literatura, tem vindo a perder-se, sendo substituído por emojis. Para além da pobreza comunicacional, esta forma redutora de transmitir emoções gera frequentemente mal-entendidos e pode ser muito agressiva e humilhante.
O excesso de trabalho e a dificuldade em conciliar o trabalho com a vida familiar, mostrados na referida série, trazem consigo consequências nefastas no acompanhamento dos adolescentes pelos pais. O sequestro a que assistimos pela vida profissional revela-se um autêntico desastre na vida familiar. A comunicação plena entre pais e filhos exige presença física. Sem comunicação não há partilha e sem partilha não existe intimidade entre as pessoas. Isto significa que os filhos podem estar em sofrimento e este não ser detetado pelos pais.
Se, porventura, no passado a educação nas escolas e nas famílias era demasiado rígida e normativa, nos dias de hoje assistimos ao movimento do pêndulo para o extremo oposto: uma educação excessivamente permissiva e relativista. Tal como um pêndulo que, após oscilar num sentido, move-se no sentido contrário, também a educação parece ter perdido o equilíbrio. Presentemente, muitos adolescentes crescem com poucas regras e sem exigência. A educação sem limites e sem figuras de autoridade promove o desenvolvimento de personalidades imaturas, egocêntricas e inadaptadas socialmente.
A série “Adolescência” lança uma outra reflexão importante: a impotência e o sofrimento das famílias diante de um filho com uma personalidade com características antissociais (psicopáticas). Sabemos que a personalidade sofre influências positivas ou negativas durante o nosso desenvolvimento, e em particular na adolescência, que traz consigo dúvidas, inseguranças e ruturas. É um período marcado por intensas transformações físicas, emocionais e cognitivas, em que o adolescente procura construir a sua identidade, testar limites e afirmar a sua autonomia, muitas vezes em confronto com o próprio grupo de pares ou com figuras de autoridade. Os pais têm um papel muito importante de acompanhamento nesta fase, por isso é natural que se questionem sobre as falhas cometidas na educação dos filhos. Mas todos cometem erros, pois não existem pais perfeitos. Ainda assim, perante uma sociedade tão caótica e perturbadora, a família, mesmo com estas limitações, é sem sombra de dúvida um porto seguro de amor incondicional para os filhos.
Por fim, há uma frase proferida pela mãe do adolescente que expressa uma enorme culpa e arrependimento: “nós devíamos ter percebido e impedido”. Creio que essa culpa é, em grande medida, coletiva, pois cabe-nos a todos reconhecer os erros que estão a ser cometidos na nossa sociedade e o seu impacto negativo no desenvolvimento da saúde mental dos adolescentes. Muitos jovens, devido a estes erros expostos na série, seguem um percurso de sofrimento, inadaptação e autodestruição. E será que vamos continuar a não fazer nada para alterar a atual posição do pêndulo?