Preocupações actuais sobre a terapia de afirmação de género em adolescentes (3)

O desenvolvimento da identidade nos adolescentes está longe de estar completo

Responder à pergunta “Quem sou eu?” é a principal “tarefa de desenvolvimento” da adolescência [25]. As crianças e os adolescentes são demasiado jovens para assumir que a sua actual identidade de género é permanente. Os adultos devem saber que as orientações sexuais e as identidades de género dos jovens flutuam à medida que adquirem mais experiências de vida [26].

            Entre as muitas facetas da identidade, o desenvolvimento da orientação sexual é particularmente relevante, uma vez que os indivíduos gays, lésbicas e bissexuais têm frequentemente períodos prolongados de disforia de género nos seus anos de juventude [27].

A actual crise global de saúde mental entre os jovens e, em especial, entre as raparigas [28] pode introduzir ainda mais complexidade no processo de desenvolvimento da identidade. Cerca de 70% ou mais dos jovens que apresentam preocupações com a identidade de género pela primeira vez na adolescência tinham diagnósticos psiquiátricos antes de apresentarem disforia de género [29]. A forte ligação entre uma identidade trans na adolescência e a presença de diagnósticos neurocognitivos [29, 30] merece consideração adicional, uma vez que os indivíduos no espetro do autismo têm frequentemente não-conformidade de género. Estes factores podem desempenhar um papel na emergência de uma identidade transgénero como um mecanismo desajustado para compreender a sua angústia.

            O arco natural da adolescência é a eventual resolução da confusão de identidade e a consolidação de uma identidade saudável e multifacetada. Problematicamente, todas as fases dos cuidados de “afirmação do género” perturbam o curso natural do desenvolvimento da identidade.

Os objectivos deixaram de ser a redução do sofrimento e passaram a ser a realização de “objectivos de incorporação” pessoais

            Durante décadas, os especialistas de género disseram ao público que a incongruência género/sexo criava tanto sofrimento que essas intervenções costumam “salvar vidas”. Em 2022, a justificação para estas intervenções mudou. Os “Standards of Care 8” da WPATH (NT: Organização Mundial de Saúde Transgénero) instruiu explicitamente os provedores a confiar no diagnóstico ICD-11 de “Incongruência de Género” [31], que não requer a presença de angústia [32].

            Esta recomendação vinha acompanhada de uma extensa lista de procedimentos médicos que a WPATH considera medicamente necessários para doentes não-binários, incluindo a construção de uma neovagina, mantendo o pénis e os testículos, e “mastectomias não-binárias” que preservam algum do tecido mamário feminino, mas redimensionam e reposicionam o mamilo e a aréola para que a mama pareça mais masculina. Procedimentos que vão desde a obliteração dos órgãos sexuais “de frente plana” para aqueles com uma identidade de género eunuco, até ao transplante de útero para indivíduos que transicionaram do sexo masculino para o sexo feminino que desejam ter filhos, também são listados como medicamente necessários [31, p. 136].

            Embora atingir objectivos de modificação corporal possa ser muito satisfatório para os doentes, os clínicos não devem confundi-los com um melhor funcionamento nos aspectos relacionais, sexuais, educacionais, de dependência de substâncias e vocacionais da vida – os domínios da saúde mental. Também não se pode afirmar que “salva vidas”.

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Tradução: Maria Azevedo (associada)
Fonte c/referências bibliográficas