Preocupações actuais sobre a terapia de afirmação de género em adolescentes (6)

Importância do Arrependimento e da Detransição

            Os defensores da transição de género na juventude insistem que os benefícios da prática são evidentes, mesmo que as revisões sistemáticas de provas não os consigam detectar. Para apoiar o seu ponto de vista, citam taxas de arrependimento extremamente baixas, inferiores a 1-2% [65, 66]. Isto implica que 98-99% dos indivíduos transicionados estão felizes ao longo das suas vidas. Esta conclusão é incorrecta, por três razões.

Em primeiro lugar, os estudos de acompanhamento posterior que exploram o arrependimento e a qualidade de vida sofrem de taxas muito elevadas (20-60%) de perda de acompanhamento posterior [67], o que significa que os mais afectados negativamente, incluindo os doentes insatisfeitos, doentes ou falecidos, podem ficar perdidos no seguimento posterior a uma taxa desproporcionalmente elevada.

Em segundo lugar, estas taxas foram obtidas a partir de indivíduos que transicionaram em circunstâncias muito diferentes das que se verificam actualmente. Eram adultos maduros que passaram por rigorosos rastreios psicológicos, que hoje são vistos como “salvaguardas discriminatórias”.

           

Em terceiro lugar, e talvez o mais importante, é a questão de como estes estudos definiram arrependimento. A metodologia de cada estudo foi diferente, mas, de um modo geral, o arrependimento tem sido tradicionalmente definido de forma muito restrita como um pedido de alteração de documentos legais ou um regresso à mesma clínica que proporcionou a transição original para iniciar a detransição médica. Mesmo quando estes critérios foram cumpridos, nem todos os estudos consideraram alguém que quisesse reverter a sua transição como uma pessoa arrependida. Por exemplo, Keira Bell, sem dúvida a mais famosa jovem adulta arrependida, cujo caso levou o Reino Unido a reavaliar a sua abordagem a jovens com disforia de género, não teria sido considerada um pessoa com arrependimento nos estudos frequentemente citados de “baixo arrependimento” [65]. Isto deve-se ao facto de os estudos exigirem que as pessoas arrependidas tivessem sido submetidos à remoção das gónadas, enquanto a única cirurgia a que Keira foi submetida foi uma mastectomia dupla.

Arrependimento

O arrependimento é uma experiência humana comum, se não universal. Os indivíduos que foram submetidos a uma transição médica não são excepção. O arrependimento não exclui os benefícios, que normalmente aparecem primeiro. O “período de lua de mel” pode durar de vários meses a vários anos [68], com efeitos adversos que surgem 8 a 10 anos após a transição [65, 69] entre adultos maduros transicionados. Entre as coortes de transição mais recentes, compostas principalmente por jovens, parece haver um tempo mais curto para o arrependimento e um desejo subsequente de detransição, cerca de 3-6 anos em média, com um tempo mais longo para o arrependimento e detransição entre os homens biológicos [70•, 71].

            Há muitos factores que contribuem para o arrependimento. A muitos adolescentes que consentem à mudança de sexo, faltam experiências sexuais [72] e poucos antecipam o desejo de ter filhos no futuro [64]. Mais tarde, à medida que a disfunção sexual devido a hormonas, cirurgia ou ansiedade sobre a intimidade física se torna uma experiência recorrente, surge o arrependimento. O arrependimento reprodutivo pode ser significativo, como ficou evidente nos dados apresentados no Simpósio WPATH [73, 74••].

           

Laços intrafamiliares tensos, incapacidade de encontrar uma relação estável,  experiência de discriminação, necessidade de cuidados médicos contínuos, uso de substâncias para acalmar a ansiedade e a depressão – questões para as quais podem ter sido alertados – começam a criar ondas de arrependimento. Alguns acabam por expressar arrependimento por não terem tido a oportunidade de explorar as suas preocupações em psicoterapia antes da transição [70•, 71].

Deve existir uma hierarquia de intensidade de arrependimento relacionada com as situações em que os doentes acabam por se encontrar. A forma mais extrema de arrependimento é o suicídio pós-transição e as tentativas de suicídio. Os indivíduos que se submetem à detransição médica para restaurar o corpo ao seu estado pré-transição também estão em níveis altos desta hierarquia. Mais abaixo nesta hierarquia estão os indivíduos que lamentam as suas transições, mas que, devido às alterações irreversíveis na anatomia e função dos seus corpos, optam adaptativamente por tirar o melhor partido das suas vidas sem detransicionarem. O arrependimento e a aceitação podem coexistir.

Detransição

            Os médicos que fazem a transição de género de jovens afirmam que nunca conheceram um doente que tenha sofrido uma detransição. Este facto não é surpreendente: uma investigação recente com pessoas em detransição indicou que três quartos não voltam a contactar os prestadores de cuidados de saúde para lhes contar sobre a detransição [70•].

           

A detransição tornou-se muito mais visível nos últimos anos [70•, 71, 75-83, 84••, 85]. No entanto, só recentemente é que as taxas de detransição começaram a ser quantificadas. De acordo com dados recentes do Reino Unido e dos Estados Unidos, 10-30% dos indivíduos que transitaram recentemente detransicionam alguns anos após terem iniciado a transição [82, 83, 84••]. A detransição não significa invariavelmente arrependimento relativamente à transição original. Nem todos os indivíduos detransicionados expressaram arrependimento. Aqueles que o fizeram, estão muitas vezes zangados consigo próprios pela sua ingénua certeza adolescente e perturbados com a aquiescência despreocupada dos profissionais de saúde em satisfazer os seus pedidos. É provável que, no futuro, haja um número crescente de acções judiciais por negligência por parte de jovens arrependidos [85].

Próximo post: A Reversão dos “Cuidados de Afirmação de Género“/ Conclusões

Tradução: Maria Azevedo (associada)
Fonte c/referências bibliográficas