Mas ele apalpou-me no meio da sala de aula. Antes disso, eu tinha um medo, um medo muito forte, de ser agredida sexualmente. Muitas das minhas colegas e algumas das mulheres mais velhas que eu conhecia tinham sido agredidas, violadas ou abusadas sexualmente e, ao ouvir estes relatos enquanto crescia, tive medo que a mesma coisa acabasse por acontecer comigo. E depois aconteceu e, nesse momento, foi como um vidro a estilhaçar-se. Parecia que eu era a única pessoa na sala, porque era como se ninguém tivesse reparado ou se importasse com o facto disto me ter acontecido e eu acabei por minimizar a situação na minha cabeça. Ninguém reparou, ninguém viu, por isso talvez não importe o que aconteceu exatamente.
Dr. Jordan – O que é que te aconteceu exatamente, se não te importas? Estavas na aula?
Chloe – Isto foi na aula e ele aproximou-se de mim, muitas vezes fazia coisas para me intimidar e depois deu um passo em frente, apertando-me um dos seios.
Dr. Jordan – Estou a ver.
Chloe – E, na altura, pensei “oh, se calhar são só rapazes a serem rapazes”, por isso vou fingir que não é nada, vou agir como um homem e não me vou incomodar com isso.
Dr. Jordan – Não, há de facto uma intenção malévola por detrás disso.
Chloe – Eu sabia que, mesmo que me incomodasse, não teria oportunidade de falar porque se levasse o assunto à secretaria da escola, eles deixariam o miúdo ir depois de um puxão de orelhas e ele voltaria, talvez com uma suspensão de dois dias, e depois poderia fazer-me algo pior. Por isso, não me dei ao trabalho.
Dr. Jordan – Exato, exato, exato. Então, isso fez-te sentir mais isolada. Sim, foi isso que disseste, fez-te sentir que ninguém se importava. Muitas pessoas ficam traumatizadas por actos malévolos, digamos, nem sequer é exatamente o ato físico, embora obviamente também o seja. É o facto de alguém estar a fazer algo literalmente destinado a magoar-nos, a subjugar-nos e a tornar-nos infelizes. Quando entras em contacto com esta intenção, é muito difícil para as pessoas quando encontram malevolência assim.
Chloe – Pouco depois disso, decidi começar a enfaixar o meu peito. Pedi à minha mãe para me comprar binders online. Não sei se sabe o que são, mas são como um dispositivo de compressão que cobre parte do tronco e a zona do peito. Basicamente, apertam os seios e fazem-nos parecer mais planos. Usei-os durante cerca de dois anos antes de fazer uma mastectomia.
Fartei-me. Fazia exercício, nadava, ia para casa com estas coisas num tempo muito quente e só queria acabar com aquilo. Queria deixar de usar aquela coisa, mas ao mesmo tempo não queria que o meu peito fosse visível, tinha medo da atenção que isso me daria. E também porque acreditava genuinamente que era um rapaz. Queria parecer um rapaz e ser capaz de tirar a camisola sem preocupações.
Por isso, mais ou menos a meio do meu segundo ano, disse ao meu terapeuta que queria fazer uma mastectomia e, através de um especialista em género, fui encaminhada para um cirurgião. Tive uma consulta com ele.
Dr. Jordan – Então, o que é que o teu terapeuta disse? O que se está a passar com o teu terapeuta durante todo este tempo? Quer dizer, és uma jovem mulher fisiologicamente saudável e acabas de anunciar que te queres submeter a uma forma de cirurgia radical, geralmente reservada a sobreviventes de cancro em fase avançada.
O resultado é que és levada para um especialista que pode facilitar isso. Não houve qualquer investigação sobre todas as questões de fundo de que temos estado a falar.
Chloe – Foi apenas visto como parte do processo, não houve de facto uma avaliação psicológica antes.
Dr. Jordan – Isso é absolutamente aterrador. Há anos que me sinto envergonhado por ser um membro da academia intelectual, nas actuais condições em que as universidades, por assim dizer, se colocaram. Sinto-me igualmente envergonhado por fazer parte da comunidade terapêutica. Ouvir uma história como a tua… É absolutamente terrível o que te aconteceu, não há qualquer desculpa para isso, é uma tal falta de responsabilidade que é quase inimaginável. Por isso, é realmente uma pena que não tenhas sido ouvida com muito mais pormenor e com muito mais cuidado.
Alguns miúdos ultrapassam-na com um pouco menos de cicatrizes do que outros, mas a maior parte dos adolescentes passa um período bastante miserável durante cerca de três anos. O facto de isso te ter levado a uma transformação hormonal e depois a uma cirurgia, e dos adultos terem ajudado e apoiado isto – tenho alguma simpatia pelos teus pais, porque quando se diz aos pais que é melhor apoiarem o seu filho ou será suicídio, é como se isso os encurralasse – mas os profissionais médicos e os conselheiros que lidaram contigo, a sua negligência não só faz fronteira com o crime, como ultrapassa os limites, no que me diz respeito.
Então, agora que estás pronta, vais consultar um especialista. Quem é o especialista e como é que ele te trata?
Chloe – É importante referir que foi absolutamente negligente, porque não só fui operada a um problema de natureza psicológica, como nos meses anteriores me tinham diagnosticado depressão e ansiedade social.
Quando a minha ideação suicida começou a aparecer… No início disseram aos meus pais “a vossa filha corre o risco de se suicidar se não afirmarem a sua identidade”, mas só depois de começar os tratamentos é que comecei a sentir vontade de me suicidar.
Dr. Jordan – Sim… Tinhas algum plano?
Chloe – Não, nunca tive um plano, mas o sentimento era suficientemente prevalente para afetar a minha vida quotidiana.
Dr. Jordan – Exato, exato. Quando avaliamos as pessoas em termos de suicídio, o que fazemos é essencialmente investigar as estruturas das suas fantasias e dos seus desejos. E quanto mais desenvolvido for o plano que têm, maior é a probabilidade de se suicidarem de facto.
Portanto, se o plano estiver totalmente desenvolvido, o local, a localização, a implementação, tudo isso, a pessoa está realmente em risco. Caso contrário, e parece que foi esse o caso, no teu caso é mais um marcador de depressão e ansiedade generalizadas, porque isso muitas vezes provoca pensamentos quase suicidas do tipo “bem, talvez fosse melhor para todos os outros se eu não estivesse aqui” ou “a vida é demasiado difícil e, por isso, seria mais simples, considerando todas as coisas, acabar com ela”.
Isso é mau e está muitas vezes associado a uma certa quantidade de sofrimento, mas esses pensamentos por si só não estão associados a um risco espetacular de suicídio iminente. Mas, de qualquer modo, já estavas suficientemente infeliz nesta altura. Então, obviamente, estarias à procura de mais alívio para os teus sintomas psicológicos. Disseste que o binder era muito desconfortável e incómodo, o que também te levou a concluir que talvez fosse mais simples, tendo em conta todas as coisas, uma vez que já estavas no caminho de te tornares um rapaz, seguir a via cirúrgica.
Então, tinhas 14 anos quando isso aconteceu?
Chloe – Nessa altura, tinha 15 anos. Estava no segundo ano do liceu. Também começaram a tratar a minha depressão, decidiram medicar-me para isso. Pelo pouco que sabia sobre medicação para a depressão, ouvi muitas vezes dizer que os SSRIs (NT: medicação antidepressiva, de nome inibidor seletivo de recaptação de serotonina) têm efeitos secundários terríveis. Por isso, pedi que me dessem algo com o mínimo de efeitos secundários possível, e decidiram dar-me Wellbutrin, só soube depois de ter deixado de tomar, que tem um enorme aviso na caixa acerca da utilização em crianças e adolescentes. E, na verdade, fez-me sentir mais suicida ao longo do tempo.
Continua
Traduzido por Maria Azevedo (Associada)
Fonte