Jordan Peterson entrevista Chloe Cole, uma jovem detransicionada (5)

Dr. Jordan – Então gostavas de ter o quê? Queres dizer “uma comunidade pura”? Quando te sentias só e isolada, o que é que te faltava e o que é que desejavas?

Chloe – Acho que, principalmente, gostava de ter amigos à minha volta em quem soubesse que podia contar.

Dr. Jordan – Nessa altura, tinhas alguns amigos?

Chloe – Tinha, mas não diria que era particularmente chegada a eles, ou que tinha muitos na escola. Não me adaptei muito bem, não me adaptei muito bem à escola secundária, não tinha muitos amigos e achei que havia uma espécie de favoritismo entre os alunos por parte do pessoal. Eu era uma miúda nova e não estava envolvida em desportos, clubes, actividades ou algo do género. Era uma aluna difícil e estava a ser vítima de bullying por parte dos alunos e dos funcionários da escola.

Não era maltratada pela minha família nem nada disso, mas não era muito chegada a ninguém. Os meus irmãos são todos mais velhos do que eu, há uma diferença de idade de cerca de sete anos entre mim e os outros. Desde muito cedo, foram ficando mais velhos, começaram a entrar na puberdade e a tornarem-se adolescentes e nem sempre queriam estar ao pé de mim. Queriam fazer as suas próprias coisas.

Dr. Jordan – Então, estavas a ter dificuldades na frente da imagem corporal e isso é exacerbado pelo teu temperamento e pela puberdade precoce, digamos. Não és assim tão popular com os teus colegas como poderias ser, estás um pouco isolada em relação aos teus irmãos porque eles são mais velhos do que tu, estás a ter um pouco de dificuldade, socialmente, no ensino secundário.

E agora estás a ver no Instagram o aparecimento desta explicação para os teus problemas, que é gerada por pessoas que parecem ter os mesmos problemas que tu. E o que vês é que, quando adoptam esta nova identidade fluida de género… O que é que vês? O que acontece? Têm uma comunidade, de repente as pessoas apoiam-nas. Porque é que isso te atraiu?

Chloe – Acho que vi as semelhanças entre mim e essas pessoas de muitas maneiras. Quando era mais nova, era muitas vezes comparada a um rapaz e gostava de ouvir coisas como “oh, estás a ser um rapaz” ou “uau, és um rapaz” da minha irmã mais velha, da minha mãe e assim. Não sei, na altura não sabia bem porquê, mas sentia-me orgulhosa por ouvir coisas assim. Acho que era uma espécie de conquista, porque eu não gostava particularmente de outras raparigas e também não gostava muito do facto de ser uma rapariga. Especialmente à medida que fui crescendo, queria muito encontrar uma saída. E quando comecei a ver este conteúdo, ensinou-me que havia uma saída e que eu não tinha de ser uma mulher.

Dr. Jordan – Exato. Bem, há algo de complementar, digamos, em certo sentido, em ter esses atributos masculinos, essas qualidades masculinas que te foram atribuídas quando eras uma jovem rapariga, porque estão muitas vezes associadas, quando são positivas, a algo como coragem, vontade de explorar e à capacidade de sermos autosuficientes. Por isso, é possível imaginar como isso pode ser atrativo. E depois também te foi apresentada uma solução para os teus problemas, de certa forma.

Tinhas uma série de questões bastante complexas que te afligiam e, de repente, surge um caminho a seguir. O caminho a seguir é algo como, e corrige-me se estiver enganado, não quero pôr palavras na tua boca, enquanto tens uma identidade de género não-padrão, digamos, isso significa que talvez tenhas nascido no corpo errado, algo assim.

Agora, é interessante no teu caso porque sabes que a tua fantasia central básica era a de que querias ser uma mulher totalmente desenvolvida e, digamos, voluptuosa. Quer dizer, era isso que estava na base de tudo. Mas se, pelo que percebi, estavas preocupada que isso não acontecesse, começaste a preocupares-te com a adoção de uma identidade feminina.  E depois havia este caminho alternativo que te foi apresentado.

O que é que te estava a acontecer na terapia nessa altura? Tudo isto se manifestava enquanto estavas em terapia? Que papel desempenhava o teu terapeuta neste processo?

Chloe – Por volta dos 12 anos, decidi que não era realmente uma rapariga, depois de algum tempo a questionar a minha sexualidade e, mais tarde, a minha identidade de género. Mudei de rótulos antes de finalmente me decidir por “acho que sou um rapaz”,  comecei a cortar o cabelo mais curto e a usar gradualmente mais roupa de rapaz. Assumi-me perante a minha irmã mais velha, alguns amigos mais próximos na escola e também perante algumas pessoas na Internet.

Passados alguns meses, decidi que queria contar isto aos meus pais e também iniciar o caminho da transição médica. Por isso, escrevi uma carta a explicar-lhes que queria ser filho deles e que queria que se referissem a mim por um novo nome. Eles ficaram muito chocados. Não sei como é que, enquanto progenitor, se pode esperar ouvir uma coisa destas. Na altura, eu sabia que seria bastante chocante para eles e, por isso, quis dar-lhes algum tempo para reflectirem e pensarem na sua resposta.

Também tinha medo da reação deles, foi por isso que escrevi uma carta em vez de lhes falar do assunto cara a cara. Eles queriam apoiar-me, mas não sabiam exatamente o que fazer, por isso quiseram procurar a ajuda de alguém que pudesse ser um perito nesta matéria, que tivesse mais conhecimentos sobre o assunto. Pensaram que se tratava de um problema psicológico e quiseram ir à raiz da questão, pelo que me mandaram para um terapeuta.

Dr. Jordan – Lembras-te qual era a especialidade do teu terapeuta? Consultaste um psicólogo ou um psiquiatra, um assistente social? Sabes, lembras-te?

Chloe – Não me lembro do título dele. Acho que era apenas um terapeuta pediátrico genérico. O primeiro que vi não foi muito meticuloso, acho que nem sequer me deu um diagnóstico. Ele não se debruçou sobre as razões pelas quais eu me estava a sentir assim. Foi apenas do tipo “oh, então, és um rapaz rapaz, está bem” e depois nunca entrou em pormenores. O que foi um problema.

Dr. Jordan – Deixa-me dizer-te primeiro, por um segundo, o que deveria ter acontecido, só para que saibas e para que todos os que estão a ouvir saibam.

Quando alguém vem ter connosco como terapeuta, temos três perguntas que são fundamentais. A primeira pergunta é: porque é que esta pessoa está aqui. E não sabemos. Agora o que supomos é ser algo genérico, algo como “esta pessoa está a sofrer e confusa por alguma razão, ao ponto de se tornar insuportável, ao ponto de querer procurar ajuda externa”. Isto não é trivial porque as pessoas geralmente não procuram ajuda externa a não ser que estejam bastante desesperadas.

Por isso, a primeira pergunta é: esta pessoa está a sofrer, porquê? Depois, a pergunta seguinte é: isso é algo (está relacionado com o porquê) que lhes é intrínseco? Há algo de errado com ela, por exemplo, em relação a uma doença mental ou física, ou há algo na sua situação que faria qualquer pessoa sentir-se miserável se estivesse na mesma situação? E depois, a terceira coisa é, após ter percebido que a pessoa é infeliz e porque é que é infeliz, o que é que se pode fazer em relação a isso, e tudo isso deve estar aberto à discussão.

Por isso, se viesses ter comigo como terapeuta, a primeira coisa que eu faria seria mais ou menos o que estou a fazer nesta entrevista de hoje. Tento perceber o que se passa exatamente contigo. Como vês, isso é diferente de afirmar a tua identidade, certo? Porque podes vir ter comigo como cliente e dizer: “Bem, eu acho que sou um rapaz” e a resposta adequada para mim, enquanto terapeuta, é “ok, bem sabes, disseste isso e eu quero descobrir porquê”, mas não vou tomar isso como um evangelho porque estamos a tentar resolver um problema complicado. Que é o porquê de estares a sofrer e não é exatamente óbvio o porquê, na verdade não é óbvio de todo. E não me cabe a mim, como terapeuta, chegar a uma conclusão. Cabe-me a mim falar contigo, talvez durante centenas de horas, para descobrir exatamente o que se está a passar.

Porque já descobri que a tua fantasia inicial era que querias ser mulher mas que sentias que, de certa forma, o teu corpo te estava a falhar nesse aspeto, e então procuraste e descobriste que ser mulher talvez tivesse algumas desvantagens, e talvez todas as desvantagens. Então procuraste uma alternativa e encontraste uma que também explica algumas das dificuldades que estavas a ter socialmente. Foi o que me disseste até agora, mas isso não significa que já saibamos o que fazer. Apresentámos o panorama do problema, mas a conclusão lógica não é que “és um rapaz e que deves tomar bloqueadores da puberdade e depois avançar para a cirurgia”, certo?

Não estamos nem perto disso, estamos a dezenas de horas, ou centenas de horas, de qualquer decisão desse tipo. Portanto, era isso que devia ter acontecido quando foste à terapia, devias ter tido tempo para expor todo o problema e depois ter espaço para o explorar profundamente. Para que pudesses chegar a um acordo sobre o que precisavas, como precisavas de avançar.

Tanto quanto sei, disseste que o teu terapeuta aceitou a ideia de que devias ser um rapaz muito rapidamente. Devo também referir a todos os que estão a ouvir que, na verdade, agora é obrigatório por lei em muitas jurisdições. Por isso, agora, por causa dos padrões de cuidados de afirmação de género os terapeutas são obrigados, se disseres alguma coisa – tu és uma rapariga -, se disseres algo como “sou um rapaz”, o terapeuta é agora obrigado a concordar contigo sob pena de perda de licença.

Por isso, tenham cuidado, todos os que estão a ouvir e a ver porque isso é agora a lei em muitos sítios. Para mim, isso é o fim da psicoterapia, porque tudo o que a psicoterapia é é uma abordagem de questionamento, fundamentalmente, para descobrir qual é o problema. E depois tentar trabalhar no sentido de, em primeiro lugar, encontrar soluções não prejudiciais.

Por isso, eu teria, contigo, por exemplo, explorado um pouco do domínio das formas alternativas de beleza, o que teria sido bom para te acompanhar, até certo ponto. Para que pudesses ver melhor qual era a gama de tipos fisiológicos aceitáveis e admiráveis. Não tenho a certeza de que o tivéssemos feito, mas talvez o tivéssemos feito, porque isso teria sido bom para ti para teres uma imagem mais ampla da atratividade. E também para te dizer que muita da infelicidade que estavas a sentir é normal nas mulheres na puberdade, mas também é exacerbada pelas tuas propensões temperamentais. O que talvez te ajudasse a acalmares um pouco, porque assim obtinhas uma explicação para a tua infelicidade e também alguma esperança de que, com o tempo, a superasses.

Então foste ao terapeuta e ele concordou mais ou menos com o teu prognóstico e diagnóstico de que eras um rapaz. O processo terapêutico teve alguma utilidade para ti?

Continua

Traduzido por Maria Azevedo (Associada)
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