Jordan Peterson entrevista Chloe Cole, uma jovem detransicionada (4)

Chloe – Tinha cerca de 11 anos quando recebi o meu primeiro telemóvel e comecei a usar as redes sociais. A principal plataforma que utilizava era o Instagram, muito orientado para a imagem, muito orientado para a imagem, certo? Isso reforçou e piorou ainda mais os meus problemas de imagem corporal e era-me imposto muito conteúdo muito difícil de assimilar.

Jordan – Então, fala-me disso com algum pormenor. Estavas a usar o Instagram, é uma plataforma muito orientada para a imagem, e disseste que foi muito difícil para ti. Aludiste, anteriormente, ao facto de estares a olhar para imagens socialmente aprovadas de mulheres, digamos, mulheres voluptuosas, e estavas a tirar uma conclusão negativa em relação a ti própria. Exatamente, como é que isso se processou no dia a dia?

Chloe – Comecei a comparar-me muito com a minha família e com as outras raparigas à minha volta. Quer dizer, muitas das mulheres da minha família têm o peito maior, mas eu tenho os genes do peito pequeno, e sentia-me muito insegura em relação a isso.

E apesar de ter chegado à puberdade mais cedo do que as minhas colegas, muitas delas estavam a crescer mais do que eu, e eu sentia que não conseguia acompanhar o ritmo das outras mulheres. E também, em muitas das minhas conversas ou das conversas que ouvia entre outras raparigas e mulheres, elas falavam frequentemente de forma muito negativa sobre ser-se mulher em geral.

Por exemplo, o quão difícil é a puberdade e a menstruação, e como é assustador estar grávida e depois dar à luz, e depois ter todas estas expectativas colocadas sobre nós como mães, e depois começar a envelhecer, começar a ter estas mudanças corporais e depois eventualmente passar pela menopausa. Era tudo pintado de uma forma muito negativa, nunca ouvi falar das bênçãos que vinham com qualquer uma destas partes de se ser mulher e, por isso, naturalmente, não gostaria de ser mulher.

Dr. Jordan — Começaste a ter medo disso.

Chloe — Nessa altura, comecei também a ver muito conteúdo feminista, o que reforçava essas mesmas ideias. Mas ao mesmo tempo dizia coisas que me assustavam bastante na altura. Por exemplo, vivemos sob um patriarcado, estamos a ser controladas pelos homens e eles não querem saber de nós, estão a tirar-nos os nossos direitos. Não acredito nisso agora, claro, mas caí nessa linha de pensamento e, com tudo isto, não queria ter absolutamente nada a ver com ser mulher. Não queria tornar-me numa mulher, porque haveria de o fazer?

Jordan – Portanto, estavam a acontecer-te duas coisas: por um lado, disseste que, individualmente, estavas a sofrer as consequências de te sentires inadequada em relação a estas mulheres mais voluptuosas e de, forma clara, marcadamente femininas em relação à sua fisiologia. Por isso, sentiste que esse não era um domínio em que pudesses necessariamente competir. E, ao mesmo tempo, estavas a ser exposta a material social e educativo que te sugeria que, não só este era um jogo que não podias jogar muito bem, digamos, em termos da tua aparência física ou talvez do teu temperamento, mas também que, mesmo que o jogasses bem, não era necessariamente um jogo que valesse a pena ganhar, que não havia nada de positivo na frente feminina.

Sabes, quando a minha mulher estava grávida dos nossos filhos, uma das coisas que mais me impressionou e que nunca esqueci foi o facto de tantas pessoas lhe contarem histórias de terror sobre a gravidez, por vezes a sua própria ou a gravidez de outras pessoas que conheciam. E faziam tudo o que podiam para a aterrorizar e isso irritava-me sempre, porque a minha mulher gostava muito de estar grávida. A minha filha sentiu-se bastante mal quando estava grávida, por isso sei que há uma grande variação, vi isso com as minhas clientes clínicas. Mas não é que não haja nada de positivo em se ser mulher, há muitas coisas positivas, mas é fácil cair numa situação em que tudo o que se ouve é que é opressão, sofrimento, vulnerabilidade, vitimização. Não há nada de positivo nisso e penso que parte disso é uma consequência dos níveis mais elevados de emoções negativas, uma consequência necessária, porque as mulheres são mais susceptíveis à ameaça e ao castigo.

Mas isso não parece ter muito a ver com o lugar que as mulheres ocupam na hierarquia social e a razão pela qual digo isto é porque, como referi anteriormente, há sociedades que se tornaram mais igualitárias e onde as mulheres têm claramente muito mais oportunidades na frente socioeconómica do que alguma vez tiveram no passado. E esses países, os países que foram mais longe nessa via, são provavelmente os países escandinavos. E a consequência disso é que a diferença entre homens e mulheres em termos de emoções negativas é, de facto, maior do que nas sociedades tradicionais.  As mulheres têm níveis mais elevados de emoções negativas na Escandinávia do que nas sociedades mais tradicionais, pelo que não parece que os níveis mais elevados de emoções negativas que são característicos da feminilidade sejam uma consequência, digamos, da opressão patriarcal. Tanto quanto sei, não há provas que sustentem essa hipótese. Quer dizer, obviamente, há mulheres individuais que estão em relações abusivas e que estão genuinamente a ser vitimizadas por psicopatas e sádicos, mas como explicação sociológica não parece ser válida. De facto, é exatamente o contrário.

Em todo o caso, estavas preocupada com a forma como poderias competir fisicamente, e isso é triste porque na verdade os homens são muito menos exigentes, por assim dizer, do que as mulheres, quando se trata de avaliar a atratividade física.

Por exemplo, praticamente todas as mulheres conseguem encontrar um parceiro sexual, e normalmente muito depressa, o que não é certamente o caso dos homens. Os homens classificam 50% das mulheres como tendo uma atratividade acima da média, enquanto as mulheres classificam 20% dos homens como tendo uma atratividade acima da média.

Assim, esta variação no tipo de corpo com que tanto sofreste, podia não ter sido um impedimento à tua capacidade de te manifestares como uma pessoa atraente numa sociedade razoável.

Posso compreender porque o Instagram é uma plataforma muito carregada de imagens, e posso compreender porque é que podes ter tido uma ideia errada.

Uma das coisas que um terapeuta podia ter feito por ti era ajudar-te a explorar toda a gama de tipos de corpo que são classificados como atraentes, e mostrar-te que não tens de ser a J-Lo para seres atraente, e esse é definitivamente o caso. Além disso, a atratividade tem também múltiplas dimensões, que não se centram apenas no corpo. Os homens avaliam as mulheres com base na sua atratividade física, mas essa não é a única dimensão de avaliação, há muito mais do que isso.

Então, caíste no Instagram e também começaste a ficar suscetível a esta, como diria?, propagandização negativa sobre o papel feminino, por isso não conseguiste ver nada de positivo nisso para ti.

Chloe – Muitas dessas feministas estavam a desvalorizar o papel tradicional de uma mulher e a importância da maternidade, ou mesmo apenas o cumprimento de um papel maternal.

Eu não valorizava muito isso ao crescer, porque era a mais nova de cinco filhos e nunca tive de tomar conta de ninguém, não sabia bem o que isso era. Nunca pensei realmente que queria ter filhos e, alguns anos mais tarde, quando deixei de fazer a transição, apercebi-me de que tinha um instinto maternal e que queria mesmo ser mãe e ter filhos de sangue.

Esse era um instinto que não era realmente fomentado, não lhe era permitido crescer de todo, porque eu estava a desempenhar o papel de um rapaz e também a tomar testosterona, para além disso.

Mas ao mesmo tempo que comecei a usar as redes sociais e comecei a ver conteúdo feminista e o inferno que é o Instagram, também vi muito conteúdo LGBT. Muitos deles eram adolescentes e jovens adultos que se identificavam como transgénero ou não-binários e eram sobretudo mulheres jovens.
Muitas vezes via que muitas delas tinham as mesmas dificuldades que eu a nível social, e muitas delas não eram exatamente as mais próximas das suas famílias. Via-as passar da luta para a mudança de expressão e depois acabarem por ser mais aceites pelas suas famílias, e parecia que as pessoas as apoiavam e as protegiam. Tinham um sentido de comunidade à sua volta. E isso foi algo que me tocou muito porque, na altura eu não sabia, mas era algo que eu gostaria de ter tido.

Continua

Traduzido por Maria Azevedo (Associada)
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