Jordan Peterson entrevista Chloe Cole, uma jovem detransicionada (2)

Chloe – Nada disso me foi realmente explicado por um terapeuta ou mesmo enquanto crescia. Quero dizer, mesmo assim, cada uma das partes do que disse desempenhou um papel importante na minha angústia em criança, na minha transição e, eventualmente, na minha detransição.

Enquanto crescia, eu era um pouco maria-rapaz e também estava no espectro do autismo, e só soube disso quando me foi diagnosticado no ano passado. Mas desempenhou um papel na minha socialização e na minha dificuldade em enquadrar-me com as outras raparigas, e descobri que me adaptava melhor aos rapazes. Quando atingi a puberdade, foi um pouco mais cedo do que a maioria dos meus pares e fiquei mais alta do que eles. Nessa altura, conseguia acompanhar o ritmo dos rapazes e tinha muito orgulho nisso, mas com o passar dos anos eles começaram a ficar mais altos do que eu e a superar-me fisicamente, o que me causou alguma angústia.

À medida que fui crescendo, a socialização começou a tornar-se mais orientada para os sexos e foi ainda mais difícil integrar-me com as raparigas da minha idade. Mas, ao mesmo tempo, comecei a reparar que havia um fosso entre mim e os rapazes em vários aspectos. Houve muita solidão para mim porque, por um lado, não me sentia realmente como uma das raparigas mas, por outro, estava a perder a ligação com alguns dos meus amigos de quem era próxima e de quem gostava muito. E também tive alguns problemas de imagem corporal enquanto crescia.

Costumo dizer que as redes sociais tiveram um papel importante nisso, mas, na verdade, tudo começou muito cedo. Quer dizer, eu cresci, nasci numa sociedade muito orientada para a imagem, muito orientada para o sexo e, antes de atingir a puberdade, estava ansiosa por ter um corpo desenvolvido e, eventualmente, ter seios. Quando atingi a puberdade, não era o que eu esperava e fiquei muito desiludida com o meu aspecto. Era muito magra, tinha o peito mais pequeno e cresci numa época em que se glorificavam os corpos muito voluptuosos. Muitas curvas, as pessoas usam muitas vezes expressões como “ampulheta”, “em forma de pera”, coisas desse género. E eu não era nada disso: era bastante magra, um pouco musculada e, quanto muito, os meus ombros eram provavelmente o ponto mais largo do meu corpo, e eu tinha uma espécie de complexo por causa disso.

Também gostava de ter o cabelo curto por causa de tudo isto, sentia que não me parecia nada com uma rapariga, não me parecia com as outras raparigas da minha idade e sentia que não era bonita e que nunca teria nenhum valor como mulher.

Jordan – É muito raro um adolescente e, provavelmente, particularmente raro uma adolescente do sexo feminino, que se sente atraente nas primeiras fases da puberdade. Portanto, tudo o que viveste, embora possas ter vivido de uma forma exagerada por algumas das razões que expuseste, mas tudo o que experienciaste é, em certo sentido, parte do percurso durante alguns anos para a grande maioria das pessoas.

Agora, acrescentaste uma questão adicional, que poderíamos aprofundar um pouco, e que penso ser relevante. Disseste que estás no espectro do autismo e que tinhas mais facilidade em comunicar com rapazes do que com raparigas. E aqui está algo a saber sobre isso: a maior diferença fiável que tem sido documentada entre homens e mulheres, e que se torna ainda maior em sociedades igualitárias, é a orientação do interesse. Assim, as mulheres têm mais emoções negativas e são mais concordantes, e a concordância é tanto compaixão como polidez. E embora a diferença entre homens e mulheres não seja enorme, é significativa, e também é maximizada numa sociedade igualitária. Portanto, parece que é biológico. Mas a maior diferença está no interesse, e os rapazes, homens, interessam-se mais por coisas e as raparigas, mulheres, interessam-se mais por pessoas.

Mas as pessoas do espectro autista também têm um interesse mais fiável por coisas. Por isso, por exemplo, se formos extremamente autistas, a expressão psicológica para fins descritivos é “falta de teoria da mente”, as pessoas extremamente autistas têm dificuldade em compreender o que se está a passar na mente de outra pessoa. Tendem a ser quase inteiramente orientadas para as coisas.

Há uma preponderância muito maior de sintomas autistas entre engenheiros. E se engenheiros, de Silicon Valley por exemplo, engenheiros e engenheiras, muitas vezes, por comparação estatística, casam, os seus filhos têm uma probabilidade desproporcionada de serem autistas.

Assim, o facto de estares inclinada para a extremidade autista do espectro, em primeiro lugar, pode ser apenas uma indicação de uma ligação neurológica que te leva a um interesse por coisas.  Apenas para que possas saber isso. Isso não é necessariamente autista em si mesmo, é apenas parte da variação natural em orientação atencional. Mas o facto de estares no espectro, digamos, e de te interessares mais por coisas vai tornar mais difícil para ti a comunicação com raparigas, porque as raparigas, de forma fiável, interessam-se mais por pessoas. No que diz respeito à imagem, isto está relacionado com a ideia de auto-consciência. Se estiveres em palco a falar para pessoas e tiveres consciência de ti própria, isso tende a deixar-te nervosa e a suar, a ficar desconfortável, experienciar altos níveis de emoção negativa e a própria auto-consciência parece ser uma manifestação de emoção negativa. Estão incrivelmente ligadas estatisticamente, quase indistinguíveis uma da outra. Por isso, o que vemos acontecer muito frequentemente nas raparigas, porque as raparigas são auto-conscientes em relação ao seu corpo, porque essa é uma das das principais formas de serem avaliadas, digamos, para atractividade e para estatuto social, é que essa autoconsciência tende a assumir a forma de uma preocupação intensa com o corpo e com a imagem. E isso pode ser exacerbado por quaisquer tendências sociais que estejam a ocorrer. Mas é um problema muito enraizado e isso faz parte do problema. E também o facto de teres atingido a puberdade mais cedo vai obviamente complicar ainda mais a situação, porque significa que não estás tão madura do ponto de vista neurológico ou prático quando tens de lidar com todos estes problemas.

Portanto, tudo o que descreveste pode, de certa forma, ser atribuído às dificuldades do desenvolvimento normativo, para que saibas.

E esta propensão dos adolescentes para desenvolverem depressão e ansiedade, quero desmontar isso por um minuto também para todos os que estão a ouvir.

Imaginem a disforia de género. Há 10 anos era relativamente rara, mas não inédita. Mas imaginem que tem duas componentes, está bem? Uma é uma tendência para emoções negativas, ou seja, sofrimento, ansiedade, depressão, frustração, desilusão, dor, vergonha, culpa, auto-consciência, tudo isso. E depois imaginemos que há uma segunda parte que se centra mais especificamente no desconforto com o corpo. A primeira parte é o cerne. Se analisarmos as formas de psicopatologia, como as doenças mentais, o segmento principal é constituído por níveis elevados de emoções negativas, como a depressão e a ansiedade. E um segmento secundário é a manifestação específica dessa emoção, no teu caso, a dismorfia corporal. E as afirmações que os profissionais de saúde mental desinformados fazem de que se corre um risco elevado de suicídio se se tiver disforia de género são erróneas, porque o risco elevado de suicídio é, na verdade, uma consequência da propensão geral para a depressão e a ansiedade, e não uma consequência específica da disforia de género, ou pelo menos é apenas um pequeno subcomponente da mesma.

Por isso, outra coisa a saber é que o principal grupo de manifestações psicopatológicas, doenças mentais, se centra em níveis elevados de emoções negativas e, como é óbvio, isso aumenta nas raparigas adolescentes.

Isto pode ter-te sido dito, mas talvez não o tenha sido. Existem bons estudos de longo prazo sobre crianças com disforia de género, a maioria dos quais foi realizada em Toronto, onde eu estou, por um homem chamado Ken Zucker. E Zucker dirigia uma clínica para crianças com disforia de género, muito antes de isto se tornar parte da guerra cultural, digamos assim. Era um cientista muito correcto e honesto, um investigador muito bom, não era uma pessoa política.

E o que ele demonstrou, o que a sua clínica demonstrou, em muitos estudos revistos por pares, foi que a disforia de género do tipo que descreveste é relativamente rara, mas se deixarmos as crianças em paz até aos 19 ou 18 anos, 80 a 90 por cento delas fixam-se na sua identidade biológica, embora cerca de 80 por cento delas sejam também homossexuais na sua orientação sexual.

Por isso, o caminho, para ele, antes de tudo isto ser politizado, uma criança que não tivesse conformidade de género em termos de temperamento, tal como tu eras, sem um padrão de interesses femininos, digamos assim, e com tendência para a depressão e a ansiedade. E então essa combinação produziria essa disforia de género, que se tornaria bastante intensa no início da puberdade. Mas se nos afastássemos e esperássemos, essas crianças adaptavam-se ao seu corpo, mas geralmente adoptavam uma orientação homossexual.

E essa era, tanto quanto eu posso dizer, a melhor investigação. O Zucker foi massacrado por isto, quando se tornou politizado. Perdeu o emprego, foi criticado pelo Toronto Star, um dos jornais daqui. Ele ganhou uma ação judicial contra eles há um par de anos, mas destruíram a sua carreira. A sua directriz, do ponto de vista médico, era “não fazer mal”, certo? Afastem-se. Podem dar apoio a estes miúdos e ajudá-los a ultrapassar os seus problemas emocionais, mas não devem precipitar-se em nada de mais dramático.

Disseste que começaste a fazer terapia aos 12 anos. O que te foi dito sobre o que te estava a atormentar?

Continua

Traduzido por Maria Azevedo (associada)
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