
Estudos com gémeos idênticos demonstram que factores ambientais, especialmente eventos não compartilhados pós-natais, predominam no desenvolvimento e persistência da DG. Isso não é surpreendente, dado que é bem aceite que o desenvolvimento emocional e psicológico de uma criança seja afectado por experiências positivas e negativas desde a infância.
Os relacionamentos com a família e os colegas, a escola e a vizinhança, a experiência de qualquer forma de abuso, exposição aos media, doenças crónicas, guerra e desastres naturais são exemplos de factores ambientais que afectam o desenvolvimento emocional, social e psicológico de um indivíduo. Não existe uma única dinâmica familiar, situação social, evento adverso ou combinação destes que destine qualquer criança a desenvolver DG. Este facto, em combinação com estudos de gémeos, sugere que existem muitos caminhos que podem levar à DG em certas crianças predispostas.
A literatura sobre a etiologia e o tratamento psicoterapêutico da DG infantil é fortemente baseada em estudos de casos clínicos. Estes estudos sugerem que o reforço social, a psicopatologia parental, a dinâmica familiar e o contágio social – facilitados pelos media sociais e convencionais – contribuem para o desenvolvimento e/ou persistência da DG em algumas crianças vulneráveis. Podem também haver outros factores contribuintes ainda não reconhecidos.
A maioria dos pais de crianças com DG recorda que as suas reacções iniciais ao ver o seu filho vestir roupas do sexo oposto e apresentar outros comportamentos do sexo oposto foi de tolerância e/ou incentivo. Às vezes, a psicopatologia parental está na raiz do reforço social. Por exemplo, entre as mães de meninos com DG que desejavam filhas, um pequeno sub-grupo experimentou o que foi denominado “luto de género patológico”. Neste sub-grupo, o desejo da mãe por uma filha foi encenado pela mãe ao vestir o seu filho como uma menina. Estas mães geralmente sofriam de depressão severa que era aliviada quando os seus filhos se vestiam e agiam de maneira feminina [22].
Uma grande quantidade de literatura clínica documenta que pais de meninos femininos relatam passar menos tempo com os seus filhos entre os dois e cinco anos de idade em comparação com pais de meninos controlo. Isto é consistente com os dados que mostram que os meninos femininos se sentem mais próximos das suas mães do que dos seus pais. Nos seus estudos clínicos de meninos com DG, Stoller observou que a maioria tinha um relacionamento muito próximo com a mãe e um relacionamento distante e periférico com o pai. Ele postulou que a DG nos meninos era uma “paragem de desenvolvimento… na qual uma simbiose mãe-bebé excessivamente íntima e gratificante, sem a perturbação da presença do pai, impede que um menino se separe adequadamente do corpo feminino e do comportamento feminino da sua mãe” [22].
Também foi constatado que, entre crianças com DG, a taxa de psicopatologia materna, particularmente depressão e transtorno bipolar, é “alta segundo qualquer padrão”. Além disso, a maioria dos pais de meninos com DG é facilmente ameaçada, exibe dificuldade com a regulação afectiva e possui um sentimento interno de inadequação. Estes pais geralmente lidam com os seus conflitos com excesso de trabalho ou distanciamento das suas famílias. Na maioria das vezes, os pais não conseguem apoiar-se um ao outro e têm dificuldade em resolver conflitos conjugais. Isto produz um ambiente intensificado de conflito e hostilidade. Nesta situação, o menino torna-se cada vez mais inseguro quanto ao seu próprio valor, devido ao afastamento ou raiva da mãe e à incapacidade do pai para interceder. A ansiedade e a insegurança do menino intensificam-se, assim como a sua raiva, o que pode resultar na sua incapacidade de se identificar com o seu sexo biológico [23].
Estudos sistemáticos sobre meninas com DG e a relação pai-filho ainda não foram realizados. No entanto, observações clínicas sugerem que o relacionamento entre mãe e filha é mais frequentemente distante e marcado por conflitos, o que pode levar a filha a desidentificar-se da mãe. Noutros casos, a masculinidade é elogiada, enquanto a feminilidade é desvalorizada pelos pais. Além disso, houve casos em que as meninas têm medo dos seus pais, que podem exibir raiva volátil, incluindo abusos contra a mãe. Uma menina pode entender que ser mulher é algo inseguro e defender-se psicologicamente contra isso ao sentir que ela é realmente um menino; acreditando no subconsciente que, se fosse menino, estaria a salvo e seria amada pelo seu pai [22].
Há evidências de que a psicopatologia e/ou a diversidade de desenvolvimento podem precipitar a DG em adolescentes, principalmente entre mulheres jovens. Pesquisas recentes documentaram um número crescente de adolescentes que se apresentam em clínicas de identidade de género para adolescentes e solicitam reatribuição de sexo. Kaltiala-Heino e seus colegas procuraram descrever os adolescentes candidatos a reatribuição sexual legal e médica durante os dois primeiros anos de uma clínica de identidade de género para adolescente na Finlândia, em termos de factores sócio-demográficos, psiquiátricos e de identidade de género, e desenvolvimento adolescente.
Eles conduziram uma revisão retrospectiva, quantitativa e estruturada dos processos e uma análise qualitativa dos arquivos dos casos de todos os adolescentes candidatos a reatribuição de sexo que entraram na avaliação até ao final de 2013. Eles descobriram que o número de encaminhamentos excedia as expectativas à luz do conhecimento epidemiológico. As meninas de Natal foram marcadamente sobre representadas entre os candidatos. A presença de psicopatologia severa antes do início da DG era comum. Muitos jovens estavam no espectro do autismo. Estes achados não se encaixam na imagem comummente aceite de uma criança com DG. Os investigadores concluem que as directrizes de tratamento precisam considerar a DG em menores de idade no contexto de psicopatologia severa e dificuldades de desenvolvimento [24].
Um estudo recente documentou uma tendência crescente entre os adolescentes de se auto-diagnosticar como transgéneros após passarem períodos prolongados em sites de media social como Tumblr, Reddit e YouTube [25]. Isto sugere que o contágio social pode estar em jogo. Em muitas escolas e comunidades, há grupos inteiros de colegas “saindo” como trans ao mesmo tempo [25].
Finalmente, deve-se considerar fortemente a investigação de uma associação causal entre eventos de infância adversos, incluindo abuso sexual e “transgenerismo”. Há muito que se reconhece a sobreposição entre discordância de género na infância e uma orientação homossexual adulta [26]. Há também um amplo corpo de literatura que documenta uma prevalência significativamente maior de eventos adversos na infância e abuso sexual entre adultos homossexuais comparativamente a adultos heterossexuais.
Andrea Roberts e colaboradores publicaram um estudo em 2013 que constatou que “metade a todo o risco elevado de abuso na infância entre pessoas com sexualidade do mesmo sexo em comparação com heterossexuais se deve aos efeitos do abuso na sexualidade” [27]. Portanto, é possível que alguns indivíduos desenvolvam DG e mais tarde reivindiquem uma identidade transgénero como resultado de maus-tratos na infância e/ou abuso sexual. Esta é uma área que precisa de investigação.
Referências bibliográficas:
[22] Zucker KJ, Bradley SJ. Gender Identity and Psychosexual Disorders. FOCUS 2005;3(4):598-617.
[23] Zucker KJ, Bradley SJ, Ben-Dat DN, et al. Psychopathology in the parents of boys with gender identity disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 2003;42:2-4.
[24] Kaltiala-Heino et al. Two years of gender identity service for minors: overrepresentation of natal girls with severe problems in adolescent development. Child and Adolescent Psychiatry and Mental Health (2015) 9:9.
[25] Littman L. Rapid-onset gender dysphoria in adolescents and young adults: A study of parental reports. PLOS one. August 2018 Available at https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0202330 Accessed Nov 1, 2018.
[26] Zucker KJ, Spitzer RL. Was the Gender Identity Disorder of Childhood Diagnosis Introduced into DSM-III as a Backdoor Maneurver to Replace Homosexuality? Journal of Sex and Marital Therapy. 2005;31:31-42.
[27] Roberts A. Considering alternative explanations for the associations among childhood adversity, childhood abuse, and adult sexual orientation: reply to Bailey and Bailey (2013) and Rind (2013). Arch Sexual Behav 2014;43:191-196.
Fonte: https://www.acpeds.org/the-college-speaks/position-statements/gender-dysphoria-in-children
Traduzido por: Sarah Pousinho