Até recentemente, a cosmovisão predominante em relação à DG na infância era que ela reflectia pensamentos anormais ou confusão por parte da criança que podem ou não ser transitórios. Consequentemente, a abordagem padrão era a espera vigilante ou a procura da psicoterapia familiar e individual [1,2].
Os objectivos da terapia eram tratar a patologia familiar se esta estivesse presente, tratar qualquer morbidade psicossocial da criança e ajudar a criança a alinhar a identidade de género com o sexo biológico [22,23]. Especialistas de ambos os lados do debate sobre supressão puberal concordam que, neste contexto, 80 a 95% das crianças com DG aceitaram o seu sexo biológico no final da adolescência [31]. Esta cosmovisão começou a mudar, no entanto, quando adultos activistas transgéneros promoveram cada vez mais a narrativa da “essência feminina” para garantir a aceitação social [10]. Em 2007, no mesmo ano em que o Boston Children’s Hospital abriu a primeira clínica pediátrica de género do país, o Dr. J. Michael Bailey escreveu:
“Actualmente, o entendimento cultural predominante do transsexualismo de homem para mulher é que todos os transsexuais de homem para mulher (HM) são, essencialmente, mulheres presas no corpo de homens. No entanto, este entendimento tem pouca base científica e é inconsistente com as observações clínicas. Ray Blanchard mostrou que existem dois subtipos distintos de transsexuais HM. Os membros de um subtipo, os transsexuais homossexuais, são melhor compreendidos como um tipo de homem homossexual. O outro subtipo, os transsexuais autoginefílicos, são motivados pelo desejo erótico de se tornar mulher. A persistência do entendimento cultural predominante, embora explicável, é prejudicial para a ciência e muitos transsexuais” [32].
À medida que a visão da “essência feminina” persistiu, o sofrimento de adultos transgéneros era invocado para defender o resgate urgente de crianças do mesmo destino por identificação precoce, afirmação e supressão puberal. Alega-se agora que a discriminação, a violência, a psicopatologia e o suicídio são as consequências directas e inevitáveis da negação da afirmação social e do uso de bloqueadores da puberdade ou hormonas de sexo cruzado a uma criança com DG [33].
No entanto, o facto de 80 a 95% dos jovens com DG surgirem física e psicologicamente intactos após passar pela puberdade sem afirmação social, refuta esta afirmação [31]. Além disso, mais de 90% das pessoas que morrem de suicídio têm um distúrbio mental diagnosticado [34]. Não há evidências de que as crianças com DG que cometem suicídio sejam diferentes. Portanto, a pedra angular para a prevenção do suicídio deve ser a mesma para todos, incluindo as crianças: identificação e tratamento precoces das co-morbilidades psicológicas.
No entanto, existem agora 40 clínicas de género nos Estados Unidos que promovem o uso de supressão puberal e hormonas de sexo cruzado em crianças. A justificação para a supressão é permitir que a criança com DG tenha tempo para explorar a identidade de género, livre do sofrimento emocional desencadeado pelo aparecimento de características sexuais secundárias. Os padrões seguidos nestas clínicas baseiam-se na “opinião de especialistas”.
Não existe um único estudo randomizado e controlado de grandes dimensões que documente os supostos benefícios e possíveis danos para as crianças com DG decorrentes da supressão puberal e do uso de hormonas de sexo cruzado durante décadas. Também não há um único estudo controlado e randomizado de longa duração e de grandes dimensões que compare os resultados de várias intervenções psicoterapêuticas para a DG na infância com os da supressão puberal, seguida de esteróides sintéticos tóxicos durante décadas. Na era actual da “medicina baseada em evidências”, isto deveria fazer todos parar para pensar. O mais preocupante é que a supressão puberal no estágio 2 de Tanner (geralmente, aos 11 anos de idade), seguida pelo uso de hormonas de sexo cruzado, deixará estas crianças estéreis e sem tecido gonadal ou gâmetas disponíveis para a criopreservação [35,36,37].
A neuro-ciência documenta claramente que o cérebro do adolescente é cognitivamente imaturo e carece da capacidade adulta necessária para a avaliação de riscos antes da primeira metade dos anos vinte [38].
Há um sério problema ético em permitir que procedimentos irreversíveis e que mudam a vida sejam realizados em menores de idade que são demasiado novos para dar um consentimento válido por eles mesmos. Este requisito ético de consentimento informado é fundamental para a prática da medicina, conforme enfatizado pelo site do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA:
“O consentimento voluntário do sujeito humano é absolutamente essencial” [39].
Além disso, quando um indivíduo é esterilizado, mesmo como resultado secundário da terapia, sem o consentimento informado livre e total, é uma violação à lei internacional [40].
[1] Shechner T. Gender identity disorder: a literature review from a developmental perspective. Isr J Psychiatry Relat Sci 2010;47:132-138. [2] American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 5th ed; 2013:451-459.
[22] Zucker KJ, Bradley SJ. Gender Identity and Psychosexual Disorders. FOCUS 2005;3(4):598-617. [23] Zucker KJ, Bradley SJ, Ben-Dat DN, et al. Psychopathology in the parents of boys with gender identity disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 2003;42:2-4.
[31] Cohen-Kettenis PT, Delemarre-van de Waal HA, Gooren LJ. The treatment of adolescent transsexuals: changing insights. J Sexual Med 2008;5:1892–1897.
[10] Jeffeys, S. Gender Hurts: A feminist analysis of the politics of transgendersim. NY: Routledge, 2014 (p. 27).
[32] Bailey MJ, Triea K. What many transsexual activists don’t want you to know and why you should know it anyway. Perspect Biol Med 2007;50:521-534. Available at: www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17951886. Accessed May 11, 2016.
[33] Sadjadi S. The endocrinologist’s office–puberty suppression: saving children from a natural disaster? Med Humanit 2013;34:255-260.
[34] Bertolote JM, Fleischmann A. Suicide and psychiatric diagnosis: a worldwide perspective. World Psychiatry 2002;1(3):181–185.
[35] Eyler AE, Pang SC, Clark A. LGBT assisted reproduction: current practice and future possibilities. LGBT Health 2014;1(3):151-156. [36] Schmidt L, Levine R. Psychological outcomes and reproductive issues among gender dysphoric individuals. Endocrinol Metab Clin N Am 2015;44:773-785. [37] Jeffreys, S. The transgendering of children: gender eugenics. Women’s Studies International Forum 2012;35:384-393.
[38] Johnson SB, Blum RW, Giedd JN. Adolescent maturity and the brain: the promise and pitfalls of neuroscience research in adolescent health policy. J Adolesc Health 2009;45(3):216-221.
[39] US Department of Health and Human Services. Nuremberg Code; 2015. Available at: www.stat.ncsu.edu/people/tsiatis/courses/st520/references/nuremberg-code.pdf. Accessed 5/15/16.
[40] World Health Organization. Eliminating forced, coercive and otherwise involuntary sterilization. Interagency Statement; 2014. Available at: www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/201405_sterilization_en.pdf. Accessed May 16, 2016.
Fonte: https://www.acpeds.org/the-college-speaks/position-statements/gender-dysphoria-in-children
Traduzido por: Sarah Pousinho