American College of Pediatricians – Novembro 2018
Resumo
A disforia de género (DG) na infância é uma condição psicológica na qual as crianças sentem uma marcada incongruência entre o género que sentem ter e o género associado ao seu sexo biológico. Quando isto ocorre na pré-puberdade, a DG resolve-se na maioria dos casos no final da adolescência. Existe actualmente uma discussão intensa, embora suprimida, entre médicos, terapeutas e académicos acerca do que se está rapidamente a tornar o novo tratamento padronizado para a DG em crianças. Esse novo paradigma assenta no pressuposto de que a DG é algo inato e envolve a supressão da puberdade com agonistas da hormona libertadora de gonadotrofina (GnRH), seguida pelo uso de hormonas de sexo cruzado – uma combinação que resulta na esterilidade de menores. Uma revisão da literatura actual sugere que este protocolo se baseia numa ideologia de género não científica, que carece de uma base de evidências e que viola o antigo princípio ético da não-maleficência (“Primeiro, não causar dano”).
A disforia de género nas crianças: este debate transcende a Ciência
Género é um termo que se refere às características psicológicas e culturais associadas ao sexo biológico [1]. É um conceito psicológico e um termo sociológico e não, biológico. A identidade de género refere-se à consciência que um indivíduo tem de ser homem ou mulher e, por vezes, é descrito como o “género vivido” do indivíduo. A disforia de género (DG) nas crianças descreve uma condição psicológica na qual a criança sente uma marcada incongruência entre o género que ela sente ter e o género associado ao seu sexo biológico. Estas crianças expressam frequentemente a crença de que são do sexo oposto [2]. Tem-se estimado que as taxas de prevalência de DG em crianças sejam inferiores a 1% [3]. A proporção de meninos para meninas encaminhados para clínicas especializadas varia de acordo com a idade. Nas crianças pré-adolescentes, a proporção entre meninos e meninas varia entre 2:1 e 4,5:1. Em adolescentes, a proporção está próxima da paridade; em adultos, a proporção de homens para mulheres varia entre 1:1 e 6,1:1 [3].
A discussão sobre como tratar crianças com DG é sobretudo de natureza ética; diz respeito tanto à cosmovisão do médico como à ciência. A medicina não ocorre num vácuo moral; toda acção ou inacção terapêutica é o resultado de um julgamento moral de alguma espécie que nasce da cosmovisão filosófica do médico. A medicina também não ocorre num vácuo político, e estar do lado errado da política sexual pode trazer consequências graves para os indivíduos que defendem a visão politicamente incorrecta.
A título de exemplo, o Dr. Kenneth Zucker, há muito reconhecido como uma autoridade principal em questões de identidade de género em crianças, também tem sido ao longo da vida um defensor dos direitos dos gays e dos transgéneros. Contudo, para grande consternação dos activistas adultos transgéneros, Zucker acredita que as crianças pré-adolescentes com disforia de género beneficiam mais quando ajudadas a alinhar a sua identidade de género ao seu sexo anatómico. Esta posição acabou por lhe custar o cargo de director, que ocupava há 30 anos na Clínica Infantil, Juvenil e Familiar de Identidade de Género (GIC) do Centro de Dependência e Saúde Mental em Toronto [4, 5].
Muitos críticos da supressão da puberdade defendem uma cosmovisão teleológica moderna. Para eles, é auto-evidente que existe um design intencional na natureza humana e que a cooperação com este design leva ao desabrochamento humano. Outros, contudo, que se identificam como pós-modernistas, rejeitam a teleologia. O que une os dois grupos é uma interpretação tradicional princípio “primeiro, não causar dano”. Por exemplo, existe uma comunidade online em crescimento de médicos, profissionais de saúde mental e académicos que defendem os gays, que possui uma página na internet intitulada “First, do no harm: youth trans critical professionals”. Eles escrevem:
Estamos preocupados com a tendência actual de diagnosticar e afirmar rapidamente jovens como transgéneros, frequentemente direccionando-os para a transição médica…. Sentimos que cirurgias e/ou tratamentos hormonais desnecessários, cuja segurança a longo prazo ainda não foi comprovada, acarretam riscos significativos para os jovens. Na nossa opinião, políticas que incentivam – directa ou indirectamente – esse tipo de tratamento médico para jovens que podem não ser capazes de avaliar os riscos e os benefícios são altamente suspeitos [6].
Contrastando com isso, os defensores do paradigma intervencionista médico também são pós-modernistas, mas têm uma visão subjectiva do princípio “Primeiro, não causar dano”. A Dra. Johanna Olson-Kennedy, especialista em medicina adolescente no Hospital Infantil de Los Angeles e líder na transição pediátrica de género, declarou que “[primeiro, não causar dano] é mesmo subjectivo. [Historicamente], viemos de uma perspectiva muito paternalista… [na qual] os médicos têm mesmo o objectivo de decidir o que será prejudicial e o que não é. E isso, no mundo do género, é realmente problemático” [7]. Ela não apenas afirma que o princípio “primeiro, não faz causar dano” é subjectivo, mas depois também afirma que deve ser deixado à criança decidir o que constitui dano com base em seus próprios pensamentos e sentimentos subjectivos [7]. Dada a imaturidade cognitiva e de experiência da criança e do adolescente, o American College of Pediatricians (ACPeds) considera isso altamente problemático e anti-ético.
Referências bibliográficas:
[1] Shechner T. Gender identity disorder: a literature review from a developmental perspective. Isr J Psychiatry Relat Sci 2010;47:132-138.
[2] American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 5th ed; 2013:451-459.
[3] Cohen-Kettenis PT, Owen A, Kaijser VG, Bradley SJ, Zucker KJ. Demographic characteristics, social competence, and behavior problems in children with gender identity disorder: a cross-national, cross-clinic comparative analysis. J Abnorm Child Psychol. 2003;31:41–53.
[4]Singal J. How the fight over transgender kids got a leading sex researcher fired. New York Magazine, Feb 7, 2016. Available at: http://nymag.com/scienceofus/2016/02/fight-over-trans-kids-got-a-researcher-fired.html. Accessed May 15, 2016.
[5] Bancroft J, Blanchard R, Brotto L, et al. Open Letter to the Board of Trustees of CAMH; Jan 11, 2016. Available at: ipetitions.com/petition/boardoftrustees-CAMH. Accessed May 125, 2016.
[6] Youth Trans Critical Professionals. Professionals Thinking Critically about the Youth Transgender Narrative. Available at: https://youthtranscriticalprofessionals.org/about/. Accessed June 15, 2016.
[7] Skipping the puberty blockers: American “transgender children” doctors are going rogue; Nov 4, 2014. Available at: https://gendertrender.wordpress.com/2014/11/11/skipping-the-puberty-blockers-american-transgender-children-doctors-are-going-rogue/. Accessed May 15, 2016.
Fonte: Link: https://www.acpeds.org/the-college-speaks/position-statements/gender-dysphoria-in-children
Traduzido por: Sarah Pousinho