A Falácia das Escolas

A caminho da escola, com a principal educadora

Um dos aspectos mais marcantes dos actuais debates na nossa sociedade – tenham eles a ver com religião, política ou qualquer outro assunto – é a abundância de falácias lógicas. Fazia bem a todos um curso de introdução à lógica, com particular atenção a ser dada aos capítulos sobre falácias formais e informais.

Uma das maiores falácias informais, parece-me, é aquilo a que chamo a “falácia da escola”. Esta surge cada vez que alguém assume que “educação” e “escolaridade” são exactamente ou aproximadamente sinónimos.

Imaginem um círculo (ou façam como eu quando ainda dava aulas e desenhem-no num quadro). Esse círculo representa toda a educação de um jovem. Depois imaginem uma fatia desse círculo, correspondente a 25% do total. Essa fatia, ou uma fatia um pouco maior ou menor, representa a porção da educação desse jovem que é fornecida pela escola.

A educação de um jovem rapaz ou rapariga é muito maior do que a escolaridade. A educação geral de uma criança inclui muito mais do que a instrução que lhe é dada pelos seus professores. Inclui a educação (que pode ser deseducação) fornecida por pais e outros parentes, amigos e colegas, treinadores desportivos, pastores, padres, rabinos e imames, televisão e filmes, música popular, jogos de computador, livros, celebridades, pornografia, e por aí fora.

Deve-se ainda referir que o impacto da educação dentro das escolas não vem apenas dos professores, mas também dos pares. Alguns desses pares reforçam aquilo que os professores tentam ensinar. Outros minam os esforços dos professores. Em muitas escolas, sobretudo aquelas que se situam em grandes centros urbanos, os segundos são em muito maior número do que os primeiros.

De todos os educadores não-escolares, os mais influentes são, pelo menos na primeira dezena de anos de vida, os pais. Na adolescência, esse lugar tende a ser ocupado pelos pares. Ao todo, nos anos entre o nascimento e o fim do liceu, os professores não serão mais do que a terceira maior influência educativa, se tanto.

É preciso distinguir aqui entre dois tipos diferentes de educação: 1) cognitiva ou informativa e 2) moral ou afectiva. Quando os professores são bons, são bons a fornecer o primeiro tipo. Pais e colegas, independentemente de serem bons ou maus, são muito eficientes a fornecer o segundo.

E dos dois, o segundo é muito mais importante, em muitos aspectos, para o indivíduo. Pode chegar a adulto sem saber, por exemplo, o Presidente que antecedeu Lincoln, ou sem compreender o teorema de Pitágoras, ou o nome da mãe do Hamlet, ou que rio atravessa Budapeste. Isto é uma infelicidade. Pode levar a que algumas pessoas mais bem-informadas o olhem de cima. Pode até afectar a sua carreira profissional.

Mas, se crescer sem aprender e internalizar certas regras de boa conduta – por exemplo abster-se de roubo, drogas, abuso de álcool, fumar, violação, violência doméstica, má educação, adultério, ser um “espertalhão” a lidar com os polícias, e por aí fora – então poderá acabar divorciado, desempregado ou o centro das atenções numa funerária. Isto sem sequer falar do destino da sua alma.

A instrução informativa é importante, mas as lições que aprendemos sobre o bem e o mal, o comportamento prudente e imprudente, são muito mais importantes. E estas lições em moralidade (ou imoralidade) apenas podem ser dadas por pessoas com quem temos relações íntimas e emocionais, como pais e outros parentes e amigos próximos.

As crianças raramente, ou nunca, têm esta relação íntima com os seus professores. Por isso, é vão esperar – como muita da propaganda educacional afirma – que os professores possam fornecer às crianças uma educação moral. Se um miúdo não tiver uma boa educação moral em casa – nos primeiros anos de vida -e de pares bem-comportados nos anos da adolescência, então, provavelmente, nunca a obterá. A não ser que (caso raro) venha a sofrer uma profunda conversão religiosa mais tarde na sua vida.

Devemos notar que entre as boas atitudes, que devem ser inculcadas nos rapazes e nas raparigas, inclui-se uma boa atitude para com a escola. Para poderem tirar o melhor da educação cognitiva que se oferece na escola os rapazes e as raparigas têm de a abordar com uma boa atitude. Os professores acabam por ter uma influência bastante pequena para a educação geral e a dimensão dessa contribuição depende tanto, se não mais, na receptividade do aluno como na capacidade dos professores.

Quando temos discussões públicas sobre a qualidade da educação (ou falta dela) elas tendem a focar sobretudo as escolas. As pessoas envolvidas tendem a falar na necessidade de melhores salários para professores, ou menos alunos por sala de aula, mais computadores, ou preservativos gratuitos para rapazes no secundário, ou uma maior centralização de padrões escolares – e sobretudo da necessidade de mais financiamento para as escolas.

Mas o que nunca ouvimos é um funcionário público a dizer: “Para obterem uma melhor educação os alunos devem ter melhores pais, melhores amigos, melhores programas de televisão e melhor música popular”.

A Igreja cristã tem uma série de ensinamentos antiquados que, se implementados, fariam toda a diferença no mundo da educação. Estou a pensar em três em particular:

(1) As primeiras e mais importantes instituições de educação para as crianças são o lar e a família.

2) Os pais são as autoridades definitivas no que diz respeito à educação de uma criança. (Essa autoridade está salvaguardada na Constituição da República Portuguesa e na Carta Universal dos Direitos do Homem))

(3) A criança tem o direito a crescer com pais casados.

Infelizmente, nós não abraçamos – aliás, mal reconhecemos – estas três verdades educacionais básicas. É uma vergonha que nós cristãos, e sobretudo para os nossos líderes, não tenhamos passado os últimos 50 anos a gritar estas verdades básicas aos quatro ventos.


David Carlin foi professor de sociologia e de filosofia na Community College of Rhode Island e autor de The Decline and Fall of the Catholic Church in America

(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 17 de Setembro de 2021 em The Catholic Thing)