
É bastante revelador que o movimento Woke, apesar de apresentar os seus princípios como éditos quase divinos, que não admitem ser questionados, e de tratar os dissidentes como hereges, não tenha uma história internamente coerente para contar acerca de como esses princípios adquiriram a característica da infalibilidade. Ao contrário da Igreja Católica Romana, que, ao apelar para a graça de Deus em acção na igreja, acaba por ter alguma coerência interna quanto à sua reivindicação de infalibilidade, o movimento Woke não tem essa história para contar. Essencialmente, o wokismo trata princípios seculares como se de garantias divinas se tratassem, e, por isso, estivessem acima de qualquer debate, mas sem ter qualquer fonte divina para os sustentar.
Assim, o wokismo é, no fundo, uma emulação mal-sucedida de religiões teístas, em particular as religiões abraâmicas que têm algum credo partilhado mais ou menos bem definido e um conjunto de verdades comunicadas, em nome de Deus, por meio das Escrituras Sagradas, tradição e autoridade religiosa.
Digo sem sucesso, porque em vez de exigir um salto de fé no divino, ou prometer trazer os seus adeptos a um relacionamento mais próximo com Deus, o wokismo exige um salto de fé numa seita política definida e liderada por seres humanos que falam na sua própria autoridade. Desta forma, o wokismo representa uma imanentização [algo oposto à transcendência] da religião transcendente.
A imanentização da religião transcendente envolve uma confusão entre autoridade divina e autoridade humana. O movimento Woke eleva certos princípios morais, incluindo princípios que são extremamente novos do ponto de vista histórico, como, por exemplo, a noção de que as identidades de género “não-binárias” merecem reconhecimento social formal, quais dogmas inquestionáveis, e trata os dissidentes como inimigos moralmente impuros a serem evitados e expulsos da “sociedade educada”.
Desta forma, o wokismo efectivamente exerce o equivalente secular a uma bula papal, declarando pontos de vista dissidentes “anátema” para a “verdadeira igreja” e uma ameaça à fé e à moral dos verdadeiros crentes.
No entanto, não tenta fundamentar os seus dogmas em nada além das opiniões de um movimento político que surgiu nos primeiros anos do terceiro milénio. Assim, uma ideologia meramente humana é elevada ao nível de um dogma divino, e qualquer forma de mediação ou diálogo racional são rejeitados como formas de impiedade ou heresia.