(1) Ensino doméstico: o que acontece quando a família decide não mandar as crianças para a escola

Há quase 900 alunos de ensino doméstico em Portugal, um número que não tem parado de crescer, à boleia do descontentamento com a escola tradicional. O que acontece quando os pais assumem a aprendizagem dos filhos?

É dia de greve geral da Função Pública. Há escolas fechadas em Lisboa e, por isso, muitos alunos sem aulas nesta sexta-feira nebulosa. Mas no 18º andar de um prédio da capital, há dois irmãos gémeos que não sentem o efeito da contestação social. Manuel e Leonor, 7 anos, aprendem no ensino doméstico desde o início do ano lectivo.

Estão sentados numa mesa espaçosa, junto às janelas que deixam entrar bastante luz, e entretêm-se com recortes e colagens. Concentrados, ele monta dragões, ela destaca vestidos de papel para engalanar bonecas, como antigamente. De vez em quando, bebem do chá que a mãe lhes preparou para acompanhar a manhã de estudo até à hora do almoço. Quando acabam a tarefa, levantam-se, sem grande alarido, e vão brincar para a sala, onde estão legos espalhados, barcos de piratas e bonecas. Hão de regressar a esta mesa para se dedicarem, atentos, às fichas de Matemática e de Português do manual adoptado pela escola em que estão inscritos. Sempre supervisionados pela mãe, antiga professora de Educação Física, que agora se dedica a ensiná-los. O marido, Luís, trabalha por conta própria e também anda sempre por perto.

Manuel e Leonor, 7 anos, 2º ano
Foto: José Carlos Carvalho

Entretanto, Joana Gomes, 42 anos, justifica porque os tirou do colégio onde andavam desde os 4 anos, muito bem integrados, embora com o horário reduzido ao estritamente necessário (chegando tarde e partindo cedo). “Achamos que se trata de um investimento em termos de família.” Além disso, constatou que no ensino tradicional se liga mais à quantidade do que à qualidade, que as crianças ficam com pouco tempo para brincar e explorar o seu sentido crítico. “Nestas idades, deve-se estimular as visitas de estudo, a criatividade, o lado musical e físico”, conclui.

Para que conste: só no primeiro período, os irmãos fizeram mais de 40 passeios culturais, além das actividades extra-curriculares a que vão, regularmente, sempre acompanhados pelos pais, como triatlo, ginástica, futebol, natação ou coro. Por exemplo, foram ao Museu de São Roque ouvir tudo sobre sismos e são presença regular nas actividades do LU.CA, do São Luiz ou no circuito Ciência Viva – até já conseguiram algumas parcerias para que possam integrar visitas de escolas.

A ideia é que os manos se mantenham em ensino doméstico até ao 4º ano. Por enquanto, e ouvindo as crianças, estão felizes com a mudança. “Temos tempo para a criatividade, vamos a muitas visitas de estudo, viajamos e brincamos mais”, diz Manuel, bastante desenvolto nas palavras. Quando se pergunta se sentem saudades de alguma coisa, sai-lhes em uníssono: “Do recreio.”

São miúdos perguntadores, curiosos, que neste momento prestam enorme atenção ao livro do Little Nemo, uma banda desenhada de 1906. “O que são escravos?” A mãe nunca os deixa sem resposta, mesmo que, de vez em quando, se veja obrigada a pesquisar. “Tenho aprendido imenso”, confessa, visivelmente satisfeita por tê-los por perto.

Continua: (2) Ensino doméstico: O busílis da nova portaria

Fonte: https://visao.sapo.pt/atualidade/sociedade/2020-03-07-ensino-domestico-o-que-acontece-quando-a-familia-decide-nao-mandar-as-criancas-para-a-escola/?fbclid=IwAR2CFOvkl66ul5jwZJlJ1GOMzuATmWuwznEPpXkO-lEF4AJe3UKJDImdJEQ

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